“Roleta Russa”, de Santos Mabunda, é uma peça visualmente complexa e instigante, que exige uma observação cuidadosa, na qual cada elemento parece contar parte de uma história maior. A justaposição de formas geométricas e figuras humanas sugere uma narrativa densa e multifacetada, o contraste em preto e branco adiciona uma qualidade dramática e atemporal à peça, sugerindo profundidade e seriedade no tema abordado.A composição da obra é um emaranhado de formas e linhas que se entrelaçam de maneira quase caótica, mas que seguem uma harmonia interna. É também composta por dança de formas e figuras, em que o olho do observador é continuamente atraído para diferentes partes da obra. A interacção entre formas geométricas e figuras humanas cria uma sensação de movimento e conflito.O estilo de Mabunda, com as suas claras influências do cubismo e surrealismo, quebra as convenções tradicionais de representação, permitindo ao espectador uma interpretação mais subjectiva e emocional da obra.A técnica de desenho utilizada por Mabunda é impressionante. As linhas são finas e detalhadas, e a precisão com que cada elemento é executado demonstra um domínio técnico elevado. O Passe-partout, utilizado de forma criativa, não só emoldura a obra, mas também participa dela, acrescentando uma camada adicional de profundidade e complexidade, permitindo acentuar suas qualidades visuais e a criar um espaço de reflexão em torno da mesma.A paleta de cores monocromática (preto e branco) amplifica o drama e a tensão da obra. As formas geométricas, predominantemente quadrados e rectângulos, interagem com as figuras humanas de maneira a criar uma sensação de claustrofobia e incerteza. Os olhos dispersos pela composição parecem vigiar e interagir com o espectador, aumentando a sensação de estar sendo observado.O título “Roleta Russa” sugere uma temática de risco e fatalidade. As figuras humanas na obra parecem estar envolvidas em uma situação de tensão extrema, talvez simbolizando a imprevisibilidade e a fragilidade da vida. As formas geométricas podem ser vistas como tentativas de imposição de ordem e controlo sobre uma situação intrinsecamente caótica e perigosa. O simbolismo dos olhos pode representar vigilância, paranoia ou introspecção, adicionando camadas de significado à interpretação da obra.Santos Mabunda, conhecido por suas obras que frequentemente abordam temas sociais e psicológicos, traz para esta peça uma profundidade que reflete suas preocupações artísticas. A sua habilidade em criar narrativas visuais, que ressoam emocionalmente com o espectador, é evidente em “Roleta Russa”. A obra reflecte não só o contexto pessoal do artista, mas também questões mais amplas de humanidade, risco e vulnerabilidade.No cenário contemporâneo da arte, “Roleta Russa” se destaca por sua combinação de técnica refinada e mensagem poderosa. A originalidade de Mabunda é visível na forma como o artista utiliza influências de movimentos artísticos passados para criar algo que é ao mesmo tempo inovador e profundamente reflexivo. A obra tem um apelo universal, abordando temas que são relevantes em qualquer contexto cultural.A obra provoca uma forte reacção emocional, despertando uma sensação de inquietação e introspecção. A complexidade dos elementos visuais e simbólicos exige uma contemplação prolongada, recompensando o espectador com novas descobertas a cada observação, revelando um novo detalhe ou significado.“Roleta Russa” é uma obra que demonstra o talento de Santos Mabunda em criar arte que é ao mesmo tempo tecnicamente brilhante e emocionalmente ressonante. A peça é uma exploração profunda de temas de risco, controlo e vulnerabilidade, apresentada através de uma composição visualmente rica e detalhada. Mabunda continua a afirmar-se como um artista cuja obra não só desafia as convenções, mas também enriquece o panorama da arte contemporânea com a sua originalidade e profundidade. Título: Roleta Russa Artista: Santos Mabunda Técnica: Desenho com passe-partout Dimensões: 31,5 x 34,5 cm Ano: 2024Nota do editor: A obra “Roleta russa”, de Santos Mabunda, pode ser visitada na galeria da Fundação Fernando Leite Couto, até 29 de Junho.O presente artigo foi escrito no contexto da Oficina de escrita: crítica de arte, organizada pela Fundação Fernando Leite Couto.
Fonte:O País