OPINIÃO Tempo útil de jogo e recordes

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Os árbitros têm que perceber que marcar menos faltas não é sinónimo de deixar de marcar faltas. Não é suposto ser assim

A pressão para que os jogos tenham cada vez mais tempo útil recai sobre todos os agentes desportivos. Por exemplo, aos árbitros pede-se que intervenham o menos possível. Aos jogadores exige-se foco na função, sem perdas de tempo deliberadas ou condutas que retardem o reinício das partidas. E às equipas técnicas apela-se à prática de jogo positivo, não incentivando os seus atletas a manobras que belisquem a sua dinâmica.

Até o IFAB tem sido pressionado no sentido de efetuar alterações constantes às leis do futebol. O objetivo? Continuar a encontrar formas de tornar o espectáculo cada vez mais atrativo e entusiasmante.

A pretensão é obviamente legítima. Quando o jogo está interrompido, nada acontece. E se nada acontece, então o objetivo maior está desvirtuado. As pessoas consomem futebol porque o jogo é rápido, emotivo e incerto. Nada disso ocorre quando a partida está interrompida.

Mas… há sempre um mas. E neste caso, o problema é que essa exigência pode muitas vezes ser mal interpretada por quem tem uma das missões mais desafiantes no jogo: a de fazer cumprir as regras, zelando pela verdade desportiva.

Aos árbitros tem sido pedido sistematicamente que intervenham apenas quando necessário, evitando sancionar infrações que o futebol não espera que sejam sancionadas. Também lhes é pedido que sejam intransigentes em relação a manobras que visem perdas de tempo, acelerando dentro do possível todos os recomeços de jogo. Percebe-se o repto. E a verdade é que, com maior ou menor dificuldade, quase todos têm interpretado corretamente essas orientações, adotando postura ativa e intervindo (só) quando necessário.

Infelizmente ainda há alguns, poucos, que foram forçados a descalibrar por completo a forma como sempre cumpriram a sua missão em campo. Aqueles que, por defeito de personalidade, sempre fizeram leitura restritiva de contactos, não estando agora preparados para o exato oposto, de um momento para o outro.

Quando um árbitro passa de uma média de trinta e muitas faltas por jogo para vinte e poucas, das duas uma: ou antes assinalava infrações a mais ou agora assinala a menos. Nenhuma da duas é boa.

É preciso equilíbrio, sensatez e ponderação na forma como se tenta alcançar essa meta. Os árbitros têm que perceber que marcar menos faltas não é sinónimo de deixar de marcar faltas. Se a infração existe, tem que ser punida. No futebol não há faltas pequenas ou grandes: há faltas. O importante é que não intervenham em caso de dúvida: se o contacto for ligeiro, se não tiver consequências ou se for dúbio, no limite, não é para punir. É o mesmo princípio do critério disciplinar: sem certeza, é ir por baixo.

Nas últimas jornadas, tem-se assistido a um exagero na forma como se tenta deixar jogar, não sancionando mãos na cara, tackles imprudentes ou cargas evidentes. Não é suposto ser assim. Aos árbitros não cabe a função de justiceiro em nome do recorde de números, mas a aplicação uniforme e coerente das regras.

E por falar nisso, convém recordar que aos árbitros também não compete estabelecer recordes (sejam eles quais forem). Isso é coisa para jogadores e atletas, para quem joga e compete. Para quem tem capacidades técnicas superlativas e é admirado, idolatrado por isso. De um juiz de topo espera-se humildade, discrição, eficácia e até respeito para com os seus pares. Se o seu desempenho for fantástico e a carreira bem sucedida, que seja a história (e os outros) a recordá-lo. Não o próprio, nunca o próprio.

O deslumbramento é um defeito que nunca traz nada de bom. É fundamental que os nossos árbitros, globalmente competentes, nunca se esqueçam que o seu papel é servir o futebol, não servir-se dele. Nos tempos que correm, nunca é demais deixar o lembrete.

Fonte: A Bola

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