Os principais executivos do sector petrolífero foram fortemente criticados por terem contestado a viabilidade da transição para as energias limpas nas suas intervenções na conferência CERAWeek, recentemente decorrida em Houston, Texas, EUA, com os activistas a denunciarem uma afirmação da indústria de que o abandono dos combustíveis fósseis está “visivelmente a falhar na maioria das frentes”.
Amin Nasser, Presidente do Conselho de Administração da Saudi Aramco, afirmou que os responsáveis políticos deveriam abandonar a “fantasia” de eliminar gradualmente o petróleo e o gás.
“A indústria dos combustíveis fósseis continua a fazer afirmações distorcidas sobre o nosso futuro energético”, disse Jeff Ordower, Diretor da 350.org para a América do Norte, um grupo sediado nos Estados Unidos que se dedica à transição energética global – num comunicado divulgado na terça-feira.
Amin Nasser, Presidente do Conselho de Administração da Saudi Aramco, afirmou que é “urgentemente necessária” uma redefinição da estratégia de transição.
O CEO da maior empresa de energia do mundo propôs que os responsáveis políticos abandonassem a “fantasia” de eliminar gradualmente o petróleo e o gás e, em vez disso, investissem “adequadamente” em combustíveis fósseis para refletir a procura crescente. A Aramco e os funcionários do ministério saudita já defenderam anteriormente o investimento contínuo em hidrocarbonetos para evitar a escassez de energia até que as energias renováveis possam satisfazer plenamente a procura global de energia.
Os comentários de Nasser arrancaram aplausos da audiência na CERAWeek – uma conferência anual sobre energia da S&P Global que é conhecida como a “Super Bowl da indústria”.
Outros executivos do sector do petróleo e do gás presentes no evento fizeram eco das opiniões de Nasser, mas falaram menos directamente sobre o estado da transição energética.
Shell
Wael Sawan, CEO da Shell, afirmou que a burocracia governamental na Europa está a atrasar o necessário desenvolvimento de energias limpas, segundo a Reuters. Por outro lado, o CEO da Exxon Mobil, Darren Woods, afirmou na segunda-feira que a procura de produtos petrolíferos “continua a ser muito, muito saudável”.
“Penso que uma das coisas em que a política até à data e muita da narrativa tem estado muito focada é no lado da oferta da equação e não tem abordado o lado da procura da equação. E o impacto que o preço tem na procura”, disse Woods ao programa “Squawk on the Street” da CNBC.
“Ao mesmo tempo, o custo da conversão e da mudança para uma sociedade com menos emissões de carbono, se esse custo for demasiado elevado para os consumidores suportarem, eles não pagarão. E já vimos isso acontecer na Europa, com alguns dos protestos nas explorações agrícolas e os protestos dos coletes amarelos há cerca de um ano”, acrescentou.
Esta semana, os activistas atacaram as afirmações da indústria petrolífera.
“Trabalham noite e dia para torpedear a transição para as energias renováveis e depois têm a audácia de criticar a lentidão da própria transição”, disse Ordower.
“A CERAWeek deveria destacar uma visão global em direção a um futuro limpo e equitativo e, em vez disso, recebemos pontos de discussão da década de 1970”. Acrescentou.
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AIE vs. OPEP
A Agência Internacional de Energia (AIE) disse, num passado recente, que prevê que a procura mundial de petróleo, gás e carvão atinja o seu pico em 2030 – uma previsão que Nasser, da Aramco, rejeitou na CERAWeek. Em Outubro do ano passado, o organismo de vigilância da energia afirmou que a transição para as energias limpas não só está a acontecer, como é “imparável”.
“Não é uma questão de ‘se’, é apenas uma questão de ‘quando’ – e quanto mais cedo melhor para todos nós”, disse o Diretor Executivo da AIE, Fatih Birol, num comunicado.
A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), que discorda da AIE nas suas perspectivas de crescimento da procura de petróleo, afirmou no início deste mês que ainda espera um crescimento relativamente forte da procura mundial de petróleo para 2024 e 2025.
Os decisores políticos também renovaram a sua atenção à segurança do aprovisionamento energético na sequência do conflito russo ucraniano e da guerra entre Israel e o Hamas.
É neste contexto que os executivos do sector do petróleo e do gás têm procurado repetidamente afastar as críticas sobre o clima, afirmando que a Big Oil não é culpada pela crise climática e alertando para o facto de não ser possível manter toda a gente satisfeita com o abandono dos combustíveis fósseis.
“Não é surpreendente ver afirmações enganosas como esta na CERAWeek, porque as empresas de combustíveis fósseis são a maior causa da crise climática e a sua influência política contínua é o maior obstáculo para a resolver”, disse à CNBC, David Tong, Diretor da Campanha Global da Indústria no grupo de defesa Oil Change International.
“As empresas petrolíferas e de gás estão deliberadamente a abrandar e a bloquear uma rápida eliminação dos combustíveis fósseis com os tipos de distracções perigosas que estão a vender esta semana em Houston”, afirmou Tong.
Não há debate
Algumas empresas de energia reduziram as suas metas de redução de gases com efeito de estufa nos últimos meses.
Os investidores activistas pressionaram as empresas de combustíveis fósseis para alinharem as suas metas de redução de emissões com o Acordo de Paris de 2015, enquanto alguns instaram as empresas a reduzir as promessas verdes e, em vez disso, a concentrarem-se nos seus principais negócios de petróleo e gás.
“O que estamos a ver agora é uma tentativa desesperada da indústria do petróleo e do gás de se manter relevante e de se manter fiel ao seu antigo modelo de negócio, apesar de saberem que os produtos que nos venderam durante décadas são responsáveis pela crise climática”, disse à CNBC,Josh Eisenfeld, gestor da campanha de responsabilidade corporativa da Earthworks, uma organização ambiental sem fins lucrativos sediada em Washington D.C.,
“Não conseguiram fazer evoluir a sua actividade para uma que seja compatível com o que a ciência nos diz que deve ser feito para evitar uma catástrofe climática. Não há realmente nenhum debate – a ciência deixou bem claro o que precisa de ser feito e o fundamental para isso é uma transição para longe dos combustíveis fósseis”, disse Eisenfeld. “Pensar o contrário é ilusório”, acrescentou.
Fonte: O Económico