“Ganhos dos megaprojectos não beneficiam os moçambicanos”

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O país precisa de nova legislação para a gestão de megaprojectos e contratos que beneficiem os nacionais, que quase nada ganham com a exploração dos recursos. A sugestão é do jurista e doutorando em riscos complexos, Emídio Guambe, que desqualifica a ideia de renegociação dos contratos.Dos dez maiores megaprojectos em exploração em Moçambique, sete são ligados ao sector minero-energético, avaliados em biliões de Meticais. Entretanto, a desigualdade no benefício às comunidades abrangidas tem levantado o debate e a necessidade de renegociação dos termos dos contratos, algo que, segundo, o jurista é quase improvável.Na visão do jurista, renegociar contratos em andamento pode constituir perigo ao avaliar pelas cláusulas fixadas e que o maior perdedor poderá ser o Estado moçambicano, citando o artigo 406 do código civil, que reitera que fixa que uma vez celebrados, os mesmos devem ser cumpridos nos termos em que foram estabelecidos.“Só a construção daquela plataforma que está na Bacia do Rovuma, são milhões e milhões de dólares. Então, qual é a negociação possível? Bom, a negociação possível seria, talvez, a extensão do tempo e obrigar a subida dos impostos definidos sem, com isso, violar os termos de contratos, para que o Estado saia a ganhar e não o contrário que estamos a viver”, afirma.Para além da extensão dos prazos dos contratos em andamento e obrigação de paralisação dos mesmos por um período, com vista à melhoria da organização do sector, o jurista levanta, ainda, problemas graves na legislação que rege a gestão e concessão dos megaprojectos, e defende mudanças profundas. Defende quem diz que “eu vi o contrato da Bacia do Rovuma. Aquele contrato foi uma tradução de inglês para português, não foi nossa invenção, não foi nossa produção”.Ademais, a formação de quadros nacionais que possam ser destaque durante o momento da celebração dos contratos e posterior fiscalização é crucial e deve constituir uma reflexão, se realmente o país pretende firmar-se como potência ao nível do continente fruto dos ganhos provenientes dos megaprojectos. Entregar a gestão e decisão sobre os megaprojectos ao Conselho de Ministros é um perigo, alerta Guambe.“Agora, temos de ter equipamento e tecnologia suficiente para irmos inspeccionar, saber quantos barris saem em cada poço que existe e quanto é que nós vamos cobrar. Então, nós tínhamos de nos capacitar antes de mais nada, formar gente que sabe manipular este todo equipamento, e isso realmente requer conhecimento. Ter recurso sem ter conhecimento não é nada. Então, nós precisamos de nos impor perante este cenário”, defende.Questionado se há ou não espaço legal para o feito de alteração das cláusulas dos contratos assinados entre o Governo e a multinacional, o jurista avança ser possível, basta que seja com consentimento das partes à luz do referido artigo 406 do Código Civil.Emídio Guambe diz, outrossim, que o país tem tudo para evitar os efeitos do artigo 45 da lei dos petróleos e gás que, na sua alínea 2, afirma que caso de expropriação só pode ter lugar excepcionalmente e com fundamentação, por causa do interesse público e está sujeita ao pagamento de uma indemnização justa, e que, para o cumprimento dos termos e condições constantes das autorizações da exploração petrolífera, os operadores devem prestar uma garantia financeira, nos termos a regulamentar, já no seu artigo 46.“Em caso de litígio, o problema é resolvido no âmbito da arbitragem internacional, em que cada parte é chamada a apresentar os seus argumentos, em casos, por exemplo, em que o país venha a perder, automaticamente fica um descrédito a nível global”, segundo o jurista. O país está, neste momento, no sexto concurso de concessão de áreas para a exploração de recursos minerais como petróleo e gás, acções que, segundo o jurista, deviam obedecer a uma paragem e aproveitar-se o momento de lucidez que se tem sobre a falta de ganhos provenientes dos megaprojectos para promover reformas.“Porque é que nós não podemos parar com tudo nisto e organizar-nos? Eu fico espantado quando vejo várias missões moçambicanas para vários cantos do mundo como Dubai, América e Europa e essas pessoas nunca trazem nenhuma experiência para as mudanças, se esses todos esses países e continentes se não desenvolveram de outra forma. Eles souberam usar melhor os seus recursos. Em parte, parece que somos o único Estado que trata a questão dos recursos naturais com urgência e não como perspectiva de benefício de gerações”, questiona.Outra crítica colocada pelo jurista é a falta de políticas públicas próprias que assentam na realidade actual dos negócios globais, daí a dificuldade em negociar de igual para igual com os investidores. Para a fonte, “não se justifica o estado em que nós estamos, o estado das coisas em que nos encontramos. Temos a EN1 naquelas condições e várias outras estradas. Temos problemas de saúde, temos problemas do dia-a-dia, porque as pessoas não têm capacidade. O próprio Estado não tem capacidade. O Estado está altamente endividado, quer dentro quer fora do país. Então, o que é que nós podemos fazer? Nós temos de nos reinventar e encontrar as melhores soluções. As soluções passam, necessariamente, por aprovar políticas públicas consistentes. Não faz muito sentido que eu tenha um curral e alguém venha tirar o meu animal sem pagar nada.”É quase impossível renegociar contratos em menos de um mandato, diz o jurista O debate sobre a renegociação dos megaprojectos foi também promessa avançada pelos candidatos presidenciais durante os 45 dias da campanha eleitoral, que suportam a ideia com base na falta de inclusão das comunidades nos ganhos. Por exemplo, os candidatos presidenciais sugerem a emenda dos contratos com as empresas mineiras, no sentido de estas abrirem mais oportunidades de emprego para jovens e desenvolvimento comunitário, o que, apesar de constar obrigação, chega a não ser concreto, ferindo o regulamento estabelecido.Entretanto, os referidos ganhos levantados pelo jurista vão para além da prestação dos serviços básicos à comunidade. Para este, o Estado deve beneficiar de parcelas significativas dos ganhos, daí a necessidade de mudanças, apesar de ser quase impossível a sua ocorrência em menos de um mandato, devido à sua complexidade.“Não estou a ver, no primeiro ou segundo ano, conseguir-se concluir essas negociações naquilo que serão os benefícios, principalmente para o país. Talvez dizer que nem em um mandato será possível fazer reformas neste sector bastante sensível, porém de grande valor. São necessárias mudanças, porque, até agora, o benefício está para eles”, aponta o entrevistado, acrescentando que “as regras não devem ser alteradas na boca das urnas, sob risco de se levantar prejuízos”.Dos dez projectos em exploração no país, sete têm um custo de investimento de 8431 milhões de dólares, isto é, mais do que duas vezes o tamanho actual da economia de Moçambique. Destes projectos, três estão localizados em Maputo, com um custo de investimento de 3531 milhões de dólares; os restantes quatro estão na Beira (1800 milhões de dólares); Moma (200 milhões de dólares); Chibuto (1400 milhões dólares); e Inhambane, Gaza e Maputo (1500 milhões de dólares). Maputo absorve quase metade do investimento em megaprojectos MEC, e o Sul absorve 76%.Emídio Guambe colocou o seu parecer sobre o melhor modelo de gestão dos megaprojectos em entrevista exclusiva ao jornal O País Económico.

Fonte:O País

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