Thursday, September 19, 2024
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A primeira crítica do “Assim não, senhor Presidente”

Por: Izidro Dimande

Lançado já a dias longos em Moçambique, a obra do escritor Ungulani Ba ka Khossa, empresta um título duvidoso às nossas mentes problemáticas, facto que deixou-me no cerne de poder escrever sobre sua percepção crítica. A obra ora criticada segue a diacronia dos factos, iniciado depois da independência, aos dias de hoje, democrático.

Os factos, as acções do autor, realça-nos partes da história, quando estudados isoladamente encontramos – sincronia – um estudo mais profundo do país hoje, em todos os aspectos, desde a política – primeiro na linha, depois a sociedade – repartida em extratos sociais, habitação, educação, escolarização, culturas diversas, línguas renegadas e acusadas, interpretações musicais e seus autores esquecidos, sem querer fazer a ruptura, mas sim encontrar semelhanças de um período na obra.

A crítica literária pode assumir a forma de um discurso teórico baseado na teoria da literatura ou um discurso mais detalhado, apresentação e revisão de uma obra literária (muitas vezes na forma jornalística quando é publicada). O método da crítica literária é directamente influenciado pela história e pela teoria crítica. O método é, ao mesmo tempo, a actualização histórica de uma visão teórica da literatura. O formalismo, a filologia, os estudos culturais, o geocriticismo, as religiões comparadas, a simbologia e a psicanálise são métodos muitas vezes utilizados na crítica literária. [1]

Em teoria da literatura, a obra procura iniciar com aspectos da sua função psicológica (literatura e psicologia) ao colocar-nos (pessoas da geração antes e pós-independência) com uma doença ou trauma mental, o Acidente Vascular Cerebral, como resposta às intempéries da nação fracassada – vê a quantidade de AVCs a afectar  a geração dos nossos pais. Tipos que, directa ou indirectamente, foram perseguidos ou vigiados pela polícia política colonial, sonharam com uma independência que fosse para todos. Mas nada aconteceu. Pág. 20 – neste trecho retirado, o autor explica em partes o medo, o caos, a preocupação, a dor, o desespero, a seca social, esperada por aquela gente adulto, tornada criança pelo partido, pelas às ordens, gente adulta que lutando ou sem lutando por um espaço, desejou almejar um espaço na governação. É sobre os AVCs em massas que o resultado súplica as lideranças partidárias hoje, se nos concentrarmos na actualidade política e governamental, será possível depararmos com AVCs neste século. Gente que espera a todo custo pelo espaço determinado pelo apelido que carrega, ou pelo simples facto do seu parente de linhagem directa ou indirecta, sem ser do mesmo sangue ter ´´ sofrido“ nas saias colonial a dor do chicote na Vila Algarve (durante a Guerra Colonial muitos combatentes da resistência foram aqui torturados), no campo de cultivo da cana, no comboio a caminho do exílio prisional, nas celas de uma das três unidades prisionais regionais, ou das nove unidades prisionais províncias, construídas pelo estado colonial para educar aos que lutavam pelos seus direitos de liberdade e política. Estamos perante um ajuste de contas entre as elites.

Esta nova elite de ricos políticos e governantes, surgidos através de vários métodos, dos quais destacamos a liderança política, transformou a situação habitacional da cidade em um autêntico lar de esquizofrênicos, gente que esqueceu sua proveniência, sua luta, sua dedicação à causa nacional. Surgiram e ocuparam moradias no único bairro de luxo e tornaram muitos bairros em mansardas de gente que acha – a Mafalala, bairro suburbano, tornou-se num quartel general na estratégia de imobilizar os brancos que ainda sonhavam com o grande império. Pág. 31 –  estes  brancos que orquestraram o ataque a rádio, última tentativa da metrópole com a causa de recuperar a dita província ultramarina. Facto, feito, não conseguido, caos social e econômico – O pão escasseia e quase ninguém se atrevia a sair de casa. As lojas estavam trancadas. Pág. 31 – fugir do país ou dos bairros pobres seria, ou era, o desejo da maioria, as cooperativas com cadernetas em filas, transbordavam nas prateleiras a raiva de uma fome anunciada. O partido estado, continuava enchendo o povo em comícios de ideais revolucionárias, ideias de socialismo, ideias de recuperação de um estado falido pela nossa forma de pensar individual, a obra aborda isso, visto numa perspectiva de gente que sofre, e nos relacionamos com os discursos triunfalistas da ocasião, discursos que enchem nossa mente com princípios e ideologias narcisistas, escamoteando as necessidades da base no diagrama de Venn. Ou seja, estamos no topo da pirâmide sem sairmos da base. Este livro, lido e analisado, encontrar-se-ão elementos para reflexão, numa sociedade apostada numa melhoria de todas as condições históricas. A raiva e o ciúme pelo sucesso do outro, se encontram nos estudos culturais, não se configuram exatamente como uma disciplina distinta, mas sim uma abordagem ampla dentro das disciplinas constituídas, Ungulani busca uma parte da raiva que este povo livre do 25 de Abril não compreendeu, a liberdade em solo pátrio é o melhor e único prazer para cada povo no mundo, facto que levou a morte da Alda – Morreu vendo e ouvindo, no pequeno ecrã, Samora Machel, primeiro presidente da República Popular de Moçambique, em pleno solo lusitano. Pág. 39 – uma morte sem simbolismo cultural. Um povo que recusa a liberdade a outro povo, não é digno de fazer parte de um sindicato. Nesta obra, esta parcela mostra o quão foi preciso explicar aos portugueses, no seu espaço, a importância da nossa liberdade sem qualquer tipo de confrontos, que sejamos irmãos pela língua – português – sejamos confrades na divulgação das nossas culturas, mas não estereotipamos o próximo. É uma obra que vem inculcar-nos nos dias de hoje, o que não fazem os nossos dirigentes políticos, após a morte de Samora Machel. Na história da Frelimo, a maioria das pessoas eram santas como das igrejas, imaculadas, pessoas que não fodiam, não bebiam, e nem se traiam. Pág. 43 – o nosso grande símbolo ideológico, desde 1975, hoje piorou a forma sã de pensarmos a vida em sociedade que se preze ao desenvolvimento.  Todas as sociedades humanas possuem símbolos que expressam algo, sendo umas das formas de representação da realidade. Vivemos de um simbolismo histórico incauto. Segundo Julius Evola, Eugène Canseliet, Schwaller de Lubicz e outros autores, a simbologia que aparece na cultura de diferentes povos não pode ser reduzida somente ao conhecido.

O simbolismo, os AVCs, as detenções contínuas, e outras mazelas da vida, tornaram o nosso sistema nacional de educação num campo de golf, só mete a bola no buraco quem melhor pontaria tem para conseguir uma bolsa aos seus. Hoje vemos instituições públicas preenchidas de preguiçosos porque foram ao estrangeiro estudar sem vontade própria, os com vontade de construir e transformar nossas indústrias destruídas pelos dois lados da guerra, ficaram por lá. Com medo do simbolismo e das perguntas as – ambições da nova elite tornaram-se transnacionais com a queda do apartheid sul-africano, e a ascensão de Nelson Mandela…pois ambicionavam… casas para puro lazer ou o idílico recanto dos filhos que nunca terminavam os cursos médios e superiores em Johannesburg e Cape Town. A África do Sul era a ambicionada metrópole africana, o destino do dinheiro amealhado, o abençoado espaço para as infidelidades conjugais.  Pág. 54 – nunca conseguiremos ter uma selecção de bolseiros à medida das necessidades planificadas.

Depois da nossa Diva Zaida Chongo, vivemos a maior enchente fúnebre no Edson, suas mensagens de intervenção social deixaram uma elite boquiaberta e farta de assassinatos a oralidade, acto igual o passado viveu – Recordo-me que quando censuraram a música do Simião Mazuze, xa tima i bodlela, que clamava pelo cachimbo da paz, pelo cessar das armas, ninguém do burgo se manifestou. Pág. 66 – estes vestígios são suficientes para os leitores desta obra a analisarem com perspectivas futuras. Não basta-nos desejarmos ser músicos, cantor, é preciso escrever mensagens apelativas às costas do poder político, sem chamar nomes directos, como se fosse ideal chamar de irmãos o ladrão que sacou-me os patos em casa. Ou seja, é essa visão que o poder deseja em toda nação. E depois escrevemos nas cartas internacionais que somos democráticos em tudo!

A obra dá muitos exemplos de como o estado político prefere reagir a difamação de suas acções. Acções essas que foram escamoteadas ao passar dos anos para o multipartidarismo de imprensa. São factos reais, falar de algo num sistema deficiente pode virar deficiente quem o diz, basta não ser da mesma casta. Eu vivi na pele a mentira desses fulanos, convivi com eles, conheço a podridão que os alimenta. Pág. 76. Querem-me borrada de esperma e em gritos primitivos. Pág. 80. A minha mulher chamou-me de infantil, parvo, achas que essa porcaria de Direito vai dar o chá que os teus filhos precisam? Pág. 93. Vimos acima as conotações levadas aos despautérios dentro de uma família, quando ambos não comungam a mesma necessidade social. Chegar-se ao cúmulo da nomenclatura difamatória a um membro sênior da família não é novidade na nossa sociedade. Hoje, a dupla de casais pelas necessidades diversas militam no partido e fazem escolhas perfeitas, ninguém é excomungado com dizeres (…) em nome dos princípios revolucionários, eram sentenciados, no mínimo, dez chambocos em público, essa era a transparência: criticar em público, punir em publico, exonerar em publico. Era o novo aparelho de estado, eram as novas regras.  Pág. 97

Assim não senhor presidente, dá uma esperança aos leitores, não a toda uma sociedade, para isso deveria a sociedade, nela toda, ler a obra – A história ainda falará dessa geração de troca tintas. Pág. 106. Quem serão os troca tintas, aqueles que virão salvar-nos? Que coragem carregarão. Como será  a sua cor partidária, o símbolo!

Não desejamos ser dirigidos por uma classe de adúlteros, em que o rancho comprado pelos impostos é dividido pelas casas, para além da casa dos progenitores, parte, por igual (…) porque os menos dotados financeiramente, mas ávidos de práticas adúlteras, preferiam a palavra mais rasca para designar a mancebia, como esquema, deixando o termo casa dois aos que desconheciam a expressão teúda e manteúda. Pág. 108 – é repartido. Tens razão. E essa nossa apatia fará com que a nossa história tenha a particularidade de ter os mesmo protagonistas até a doença da velhice. Pág. 111

Em psicanálise da literatura, a mente do inconsciente é um outro “eu”, e essa é a grande ideia: a de que temos no inconsciente uma outra personalidade actuante, em conjunto com a nossa consciência, mas com liberdade de associação e acção. Quando Ungulani expressa – A memória colectiva torna-se rapidamente amnésica. Pág. 114 – Qual a associação entre “amnésia” e a sociedade em que vivemos? Embora o pesadelo da amnésia colectiva descreva um aspecto emocional e bem difuso de nossa sociedade e não tenha sido uma invenção de cientistas sociais, muitos deles não só o endossam como tentam explicá-lo teoricamente. O mundo da amnésia colectiva é o mundo onde a competitividade, racionalidade e informatização substituem sentimentos, práticas colectivas e vínculos interpessoais presentes em antigas comunidades. Homens e mulheres, portanto, desprovidos de conhecimento e experiências do passado, se tornam incapazes de sentir, julgar e defender seus direitos. Nestas condições, seja tradição, memória ou traços do passado, estes são aspectos, que, de uma maneira ou de outra, representam uma defesa decisiva da humanidade na sua luta por autodeterminação e Liberdade. Diversos autores têm argumentado que o esquecimento colectivo faz parte do processo de constituição social, uma vez que memória é compreendida a partir de um processo selectivo que envolve tanto o lembrar quanto o esquecer.[2] Para eles interessava-lhes somente o poder. E por esse poder tornam-se as putas mais baratas do mundo. Pág.126

Todos os revolucionários diziam conhecer a nossa cultura, porque aprenderam-na nas zonas libertadas! Autêntica falácia. Pág. 127 – encontramos nesta nota um formalismo literário. O formalismo descreve uma ênfase da forma sobre o conteúdo ou significado. Segundo a crença social, cada governante conhece sua cultura no geral, sabe interpretar, sabe caracterizar de acordo com a região, sabe utilizar e explicar aos visitantes os nossos hábitos e costumes. Ungulani, volta a dar-nos a entender que tudo não passa de um formalismo, se refere a um estilo de crítica que se concentra nas técnicas artísticas e literárias per se, separadas do contexto social e histórico da obra. Neste caso a obra seria o acto em si, de descrever e valorizarmos a cultura. Quando viajam em delegações coloridas (brancos, pretos, indianos e mestiços) todos são amigos, contam histórias inexistentes de vivências comuns e até dançam a marrabenta, esse ritmo que se quis nacional. Mas é tudo mentira. Quando regressa, cada um vai para o seu mundo. E a realidade volta a ser a mesma de sempre. Não conseguem discutir os problemas de fundo. Estou em crer que esse defeito não vem do colono, mas dos camaradas da luta que foram sempre adiando os problemas de fundo em nome da unidade nacional. Pág. 144. Quererá o escritor abrir-nos à mente sobre este assunto – camaradas da luta – como os responsáveis pela desordem social e cultural? Ou estamos num ponto de saturação dos formalismos políticos? (…) Para isso, o Estado e a lei por vezes, mandam retirar a liberdade ou a vida a um punhado, para proteger a vida e a liberdade da grande maioria. Quando as circunstâncias nos obrigam a fuzilar um assassino, um bandido, um ladrão ou candongueiro  é porque estes atentam contra a vida de todo um povo. Pág. 152 – regressamos às matanças contra a liberdade de imprensa e outras liberdades (greve de pão, greve na saúde, greve dos docentes, greve nas urnas, greve nos transportes) em ecdise. O livro reporta este período como catastrófico vivido e actualmente o vivemos, sob pena de terminar o ciclo da vida em caixões de praxe, o povo e seus líderes entregam-se a mudanças de pele sem futuro estratégico, continuando no mesmo ciclo. Temos aqui um estudo – geocriticismo – elaborado e defendido pelo Ungulani.

E fecho a crítica com um aspecto menos importante: a corrupção. Menos importante no ponto de vista da escrita, mais super importante no ponto de vista social e mundial, por terem nos colocado na posição 142 num lote de 180 países, na última avaliação de 2022, pela trading economics. O grande desenvolvimento que terás, Agapito, é na corrupção. A maneira como a classe política se a burguesa é o chamariz à institucionalização da corrupção. Esse dinheiro engorda os gestores das partes. Tanto à montante como à jusante. Pág 167

[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Cr%C3%ADtica_liter%C3%A1ria [2] O PESADELO DA AMNÉSIA COLETIVA: UM ESTUDO SOBRE OS CONCEITOS DE MEMÓRIA, TRADIÇÃO E TRAÇOS DO PASSADO Myrian Sepúlveda dos Santos

Fonte:O País

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