A crise política e social que se instaurou em Moçambique após as eleições de 09 de Outubro, marcadas por alegações de fraude e contestação dos resultados, continua a abalar o País. As tensões aumentaram com o início, na quarta-feira, da quarta fase de manifestações convocadas por Venâncio Mondlane, candidato presidencial da oposição. As manifestações visam contestar a vitória anunciada do candidato da Frelimo, Daniel Chapo, e são acompanhadas de um clima de incerteza que afecta a vida quotidiana e a economia do País.
Desde que os protestos foram anunciados, várias regiões de Moçambique têm vivido sob o impacto de bloqueios, pilhagens, tumultos e violência, com destaque para as áreas de fronteira e os centros económicos. De norte a sul, os cidadãos estão a enfrentar dificuldades para se deslocar, realizar actividades económicas e manter uma rotina estável. A promessa de Mondlane de “causar danos terríveis” à economia, como parte da estratégia de contestação aos resultados eleitorais, tem-se cumprido à medida que as manifestações atingem infraestruturas estratégicas.
Bloqueios nas fronteiras e portos paralisam circulação
Um dos pontos mais afectados pela crise são as fronteiras terrestres, especialmente o posto fronteiriço de Ressano Garcia, o maior de Moçambique, que faz ligação com a África do Sul. Na manhã de quarta-feira, grupos de manifestantes bloquearam a entrada com camiões estacionados estrategicamente para impedir o trânsito. Esta situação gerou uma fila de centenas de camiões de carga, especialmente sul-africanos, que transportam minérios e outros produtos. Os manifestantes formaram uma barricada humana e assumiram o controle do quilómetro quatro, área destinada ao desembaraço aduaneiro, deixando a circulação praticamente inoperante.
Os portos também estão a ser alvo das manifestações, com o movimento de mercadorias severamente limitado. Em Maputo, Matola, Nacala e Beira, os principais portos de exportação do país, há um fraco movimento de cargas, com os serviços reduzidos ao mínimo. Esta paralisação nos portos e fronteiras impacta negativamente o fluxo de mercadorias, causando prejuízos tanto para o comércio interno quanto para os parceiros internacionais que dependem das exportações e importações moçambicanas.
Confrontos violentos e perdas de vidas
Enquanto o clima nas fronteiras e nos portos permanece tenso mas contido, nas áreas residenciais e nos centros urbanos, a crise tem gerado confrontos violentos. Na cidade de Nampula, um dos principais focos de contestação, a polícia confrontou-se com manifestantes no bairro de Namicopo. Relatos indicam que quatro jovens foram baleados em suas residências, resultando na morte de dois deles. Vídeos que circulam nas redes sociais mostram a polícia a disparar balas reais e a lançar gás lacrimogéneo contra manifestantes e moradores. A situação em Nampula gerou uma onda de indignação, agravando a desconfiança entre a população e as forças de segurança.
Em Maputo, a capital do país, e na cidade vizinha de Matola, o cenário é de cautela. Embora não tenham sido registados confrontos violentos nas ruas, o clima de insegurança é evidente. Muitos estabelecimentos comerciais decidiram fechar as portas, e o movimento nas ruas é menor que o habitual. Os “chapas”, minibuses que constituem o principal meio de transporte público, estão a circular com restrições, à espera de garantias de segurança.
Efeitos económicos: Comércio paralisado e receios de recessão
O impacto económico da crise pós-eleitoral já começa a ser sentido em várias frentes. O bloqueio das fronteiras e a paralisação dos portos representam um duro golpe para a economia moçambicana, que depende fortemente do comércio internacional e da circulação de mercadorias. Empresas de transporte, importadores e exportadores encontram-se em situação crítica, enfrentando prejuízos diários devido à interrupção do fluxo de bens. O sector de mineração, que utiliza o Porto da Beira para exportação de carvão e outros recursos, já contabiliza perdas devido à redução no movimento de cargas.
O clima de incerteza também afecta o consumo interno. Com muitos estabelecimentos comerciais encerrados e o movimento de pessoas limitado, o comércio informal, que representa uma fatia significativa da economia moçambicana, sofre com a redução nas vendas. Em Maputo, muitos vendedores informais abandonaram os passeios, receosos de possíveis confrontos, e as ruas, geralmente movimentadas, estão agora praticamente desertas. A crise já se reflecte também na inflação, com o aumento dos preços de produtos essenciais devido à escassez causada pela interrupção das rotas de transporte.
O governo moçambicano, através da presença reforçada da Polícia de Fronteira, da Unidade de Intervenção Rápida e de militares das Forças Armadas de Defesa de Moçambique, tenta controlar a situação, especialmente nos portos e fronteiras. Porém, a presença de forças de segurança não tem sido suficiente para dissuadir os manifestantes, que parecem cada vez mais determinados a manter a pressão sobre as infraestruturas vitais do País.
Clima de tensão e possíveis desdobramentos
A persistência das manifestações e a escalada de violência em algumas regiões alimentam receios sobre a estabilidade política de Moçambique. A postura de Mondlane, que prometeu marchas em todas as capitais provinciais e ameaçou liderar uma “marcha sobre Maputo”, aumenta a tensão. Embora o líder da oposição tenha adiado a sua chegada ao País, alegando aconselhamento dos seus apoiantes para que permanecesse no exterior, o seu discurso inflamatório e as convocações de protesto continuam a mobilizar parte da população.
Enquanto os cidadãos aguardam desfechos para a crise, o país vive um momento de incerteza. A economia moçambicana, já fragilizada por desafios estruturais e dependente de fluxos comerciais, enfrenta agora uma ameaça adicional que pode comprometer a recuperação e o crescimento a médio prazo. Em todo o país, o sentimento é de expectativa e preocupação quanto ao futuro, enquanto o governo e a oposição se encontram em um impasse que parece longe de ser resolvido.
A comunidade internacional acompanha com atenção a situação, preocupada com a possibilidade de um agravamento dos conflitos e com o impacto das manifestações na estabilidade regional. Moçambique enfrenta, assim, um teste à sua capacidade de gestão política e à resiliência da sua economia em tempos de crise.
Fonte: O Económico