Rivalidade e clubite justificam apoio envergonhado à Seleção Nacional
O adepto português típico (leia-se apoiante fervoroso de um dos três denominados grandes) olha de esguelha para a Seleção Nacional. Gosta da ideia de ter um início de verão com futebol para ver (que pena os anos ímpares, não é?), mas hesita em destilar o mesmo fervor por Portugal. Vai deixando andar a carruagem, sabe tudo o que se passa na equipa nacional, mas não adere à primeira. E muitas vezes nem à segunda. Se Portugal vence e segue em frente, começa a entusiasmar-se. Perde a vergonha, vê os jogos com um entusiasmo crescente e se for preciso acaba por sair à rua.
O adepto da Seleção Nacional, provavelmente, vai sabendo semanalmente o que se passa pela Liga, prefere uma determinada cor sem sofrimento, espreita os desempenhos dos nossos craques lá por fora e não tem necessariamente de saber o que é o jogo entrelinhas ou a procura da profundidade em prejuízo da largura. Sabe que Portugal joga e gosta de ver Portugal jogar, seja no estádio ou pela televisão.
A verdade é que os estádios onde joga a Seleção estão quase sempre cheios e os jogos, obrigatoriamente emitidos em canal aberto de TV, entram regularmente no top dos programas mais vistos de cada ano.
Não é por acaso que, chegado o Europeu (ou o Mundial, no ano par seguinte), se multiplicam em todas as plataformas as campanhas publicitárias em torno da Seleção. Fazem-no os patrocinadores oficiais, por maioria de razão, mas todos os que podem tentam também associar-se ao evento.
Se não houvesse adeptos da Seleção, como tendemos por vezes a achar, as grandes marcas investiriam assim o seu plafond de publicidade e marketing?
O que não existe com a Seleção, e por isso tudo fica menos picante, é a rivalidade. Tem tudo a ver com a clubite de que fala Abel Xavier na entrevista concedida a A BOLA a propósito do Euro-2000.
O adepto português típico sofre mais com o seu clube do que com a Seleção porque sabe que após cada jogo tem de sair à rua e enfrentar os adeptos adversários na hora da derrota, ou entrar inchado no escritório, no café ou no autocarro quando a equipa ganha. Há um nós contra eles que também é óbvio nos jogos de seleções, mas sem a piada de ter os rivais à saída do prédio. As maiores discussões em torno da Seleção têm a ver com jogadores do clube x ou y que foram ou não convocados. Tirando os milhares de emigrantes portugueses em França, quem é que verdadeiramente sentiu a conquista de 2016 com aquele gosto supremo de olhar os adversários derrotados de cima para baixo?
A verdade, porém, é que nesses magníficos dias de julho o País saiu à rua. Estavam as famílias que enchem os estádios quando joga Portugal, os cidadãos mais distanciados do futebol que gostam da Seleção e — não mintam, por favor — os adeptos portugueses típicos que à medida que a Seleção avança vão despindo a camisola do respetivo clube.
Fonte: A Bola