Galp justifica desinvestimento no projecto da ‘Area 4 da Bacia do Rovuma com necessidade de “cristalizar valor”

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A Galp, uma das principais multinacionais energéticas portuguesas, concluiu recentemente o seu desinvestimento na Área 4 da Bacia do Rovuma, em Cabo Delgado, norte de Moçambique, um dos maiores depósitos de gás natural liquefeito (GNL) do mundo. Esta decisão está em linha com a estratégia da empresa de concentrar-se em projectos de alto retorno, baixo custo e menor intensidade de carbono. O desinvestimento não foi isolado: a Galp também vendeu os seus activos “upstream” em Angola, reforçando a sua intenção de reorientar o portefólio para segmentos mais rentáveis e menos intensivos em carbono.

Filipe Silva, CEO da Galp, explicou recentemente à plataforma “Energy Connects” que essas decisões fazem parte de um movimento calculado para cristalizar valor, reduzir o risco associado a activos que exigem um capital intensivo e, ao mesmo tempo, permitir à empresa focar-se em oportunidades de expansão em regiões e projectos alinhados com a transição energética global. “Continuaremos a expandir o nosso “upstream” a partir de projectos de baixo custo e baixa intensidade de carbono, ao mesmo tempo que transformamos as nossas operações integradas de médio e “downstream”, afirmou o CEO.

A estratégia da Galp e o contexto energético global

A decisão da Galp de vender a sua participação de 10% na Área 4 a favor da ADNOC, a petrolífera estatal de Abu Dhabi, insere-se num momento de redefinição estratégica para muitas empresas do sector energético global. O foco em activos de menor intensidade carbónica, com um potencial de retorno mais previsível e de menor risco financeiro, segue a tendência de muitas petrolíferas que, sob pressão de investidores e reguladores, ajustam os seus portefólios para projectos compatíveis com metas de neutralidade de carbono.

Entretanto, o timing do desinvestimento levanta questões cruciais sobre a capacidade da Galp em equilibrar os seus compromissos com a sustentabilidade ambiental e a necessidade de garantir margens de rentabilidade robustas. O projecto Rovuma LNG, que inclui o campo Coral Sul — o primeiro de GNL em águas profundas de Moçambique — representa um dos mais importantes projectos energéticos na África subsaariana e deverá, no longo prazo, atrair significativa procura global, principalmente de mercados como a Ásia, que carecem de diversificação energética. A saída da Galp deste ativo pode ser interpretada como uma tentativa de mitigar riscos geopolíticos e de segurança associados à insurgência em Cabo Delgado, que impacta negativamente a operação no terreno. 

Em contrapartida, a decisão da Galp sublinha a crescente aposta da empresa em regiões como o Brasil, onde a produção no pré-sal continua a ser um activo estratégico. 

Em 2024, o “upstream” da empresa facturou 531 milhões de euros (aproximadamente 579,79 milhões de dólares) em EBITDA, sustentado pela operação eficiente nos campos brasileiros, que apresentam uma combinação de baixos custos operacionais e elevado retorno. 

A Galp na Transformação do Sector Energético Global 

Com o aumento da pressão regulatória e o foco das empresas petrolíferas na descarbonização, a Galp tem vindo a ajustar o seu posicionamento, alinhando-se com as metas de redução das emissões de carbono. A venda de activos em Moçambique e Angola é um passo nesse sentido, uma vez que o capital libertado poderá ser reinvestido em projectos energéticos com menor pegada carbónica, tais como parques solares, eólicos e investimentos em bioenergia.

No entanto, essa transição não está isenta de desafios. O relatório de resultados do 2º trimestre de 2024 revelou que, apesar de um aumento de 16% no lucro líquido (299 milhões de euros, aproximadamente 325,91 milhões de dólares) face ao mesmo período de 2023, o EBITDA ajustado caiu 7%, situando-se em 849 milhões de euros (aproximadamente 925,41 milhões de dólares). Esta diminuição foi atribuída, em parte, à volatilidade dos preços das matérias-primas e ao impacto da fraca procura em alguns mercados-chave, como a China. A desaceleração económica do gigante asiático, aliada à queda nas margens de refinação na Ásia — as mais baixas desde 2020 —, reflecte os desafios persistentes enfrentados pela Galp no seu esforço de maximizar o retorno financeiro no contexto da transição energética.

Perspectivas e riscos associados

O mercado energético global continua a sofrer oscilações significativas, com o preço do petróleo a registar flutuações devido a factores como a desaceleração da economia chinesa, o excesso de oferta e a possível redução da procura global. Empresas como a Galp, que outrora dependiam fortemente de activos “upstream” de petróleo e gás, estão agora numa corrida para adaptar as suas operações a uma nova realidade marcada pela transição para energias renováveis.

A venda da participação na Área 4 e a saída de Angola são, por um lado, uma tentativa de mitigar riscos geopolíticos e económicos, mas por outro levantam questões sobre a exposição futura da Galp a activos de gás natural, num momento em que a procura por gás liquefeito pode aumentar à medida que países buscam alternativas ao carvão e ao petróleo.

A continuidade da Galp nas actividades de “downstream” em Moçambique, nomeadamente, na distribuição de combustíveis, demonstra que a empresa mantém interesse em certos sectores de economias emergentes, onde as margens podem ser mais favoráveis. No entanto, o foco em projectos de alto retorno e baixa intensidade de carbono poderá obrigar a empresa a repensar o seu papel no mercado africano, à medida que a concorrência por novos investimentos energéticos se intensifica.

Fonte: O Económico

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