Questões de gênero, saúde reprodutiva e sexual são temas centrais na carreira da portuguesa Mónica Ferro. A chefe do Fundo de População das Nações Unidas no Reino Unido, Espanha e Portugal observa que o espaço público para discutir esses assuntos está cada vez mais restrito, mas vê este ano como uma oportunidade crucial para avançar nessas discussões, especialmente com as eleições ocorrendo globalmente.
A convidada do Podcast ONU News desta semana destacou que muitos temas cientificamente embasados são distorcidos para instilar medo e gerar percepções equivocadas. Mónica Ferro argumenta que o progresso social passa pela desconstrução de normas sociais que “violam a dignidade” das pessoas.
Encolhimento do debate público
“Eu acho que em houve um encolhimento do espaço de debate público. Certezas que tínhamos baseadas na ciência são questionadas quando nós queremos falar de educação sexual compreensiva, identidade de género, direitos sexuais… muitas vezes o espaço é mais reduzido, porque houve uma série de variações sobre estes temas que instilam o medo e percepções erradas nas pessoas. Como se quando nós dizemos que queremos mudar normas sociais, isso significa que nós queremos subverter culturas. Não, nós queremos de fato transformar sociedades, porque as normas sociais são construídas e podem ser desconstruídas, sobretudo aquelas que atentam contra a dignidade, contra a vida, contra o desenvolvimento de cada um de nós. Desse ponto de vista, eu tenho sentido que o ambiente, o ecossistema está mais complexo”
Além disso, Mónica Ferro defende que para essas agendas avancem, sobretudo aquelas relacionadas a saúde feminina, é preciso que as mulheres façam parte ativamente do processo de decisão.
Fecundidade e mulheres
Com uma população de 8 bilhões de pessoas, ela avalia que embora as questões de fecundidade abracem uma série de temas sociais e de desenvolvimento, geralmente recai sobre as mulheres o peso de decisões políticas, sem levar em conta o desejo individual das pessoas.
“Eu tenho dito de uma forma incansável e os nossos relatórios também mostram que quando nós nos focamos em números, o problema e a resposta têm a forma do corpo de uma mulher. Ou seja, temos filhos a mais, vamos impedir as mulheres de ter filhos, temos filhos a menos, vamos forçar as mulheres a ter filhos. Portanto, tem que ser uma análise de direitos humanos. Estas várias taxas de fertilidade dependem da latitude, dependem dos objetivos políticos, dependem da estabilidade, dependem de um conjunto de fatores. É importante que os Estados percebam que há um mix de direitos sexuais e reprodutivos que cria um espaço para que cada pessoa possa realizar o seu projeto de fertilidade. Não há um número mágico, não há uma taxa mágica que se possa servir de padrão de ouro para todo o mundo.”
Juventude
Ainda sobre direitos humanos, Mónica Ferro avaliou que, diferente de sua juventude, quando diversos direitos foram conquistados, atualmente há uma tendência contrária, que aponta que as novas gerações terão que constantemente lutar pela manutenção deles.
Além disso, ela afirma que a parcela mais nova da população ainda enfrenta outro desafio que gera ansiedade sobre o futuro: as alterações climáticas.
“Vejo os jovens com muita ansiedade nestas questões. Nós assistimos muitos países questionar soluções que nós sabíamos que resultavam, questionar o empoderamento das mulheres. Nós temos países que questionam a ideia de igualdade de género. Eu diria que os jovens estão muito ansiosos e, de uma certa forma, têm razão para estar ansiosos. O mundo e o futuro que lhes estamos a mostrar é cheio de desafios, talvez mais desafios do que aqueles que eu esperava que alguém em 2024 fosse encontrar.”
Questões sobre o futuro e a juventude também serão debatidos na Cúpula do Futuro, que acontece na sede da ONU em Nova Iorque de 22 a 23 de setembro. A Assembleia Geral comprometeu-se a adotar uma “Declaração sobre as Gerações Futuras” que seria anexada ao Pacto para o Futuro e formaria um dos resultados da Cúpula do Futuro.
Fonte: ONU