«Sou candidato para dar organização e método ao futebol da Guiné Bissau»

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Adilé Sebastião vai mesmo candidatar-se à presidência da fereração da Guiné Bissau. A A BOLA, fala da visão quer tem para o futebol guineense, onde só o talento diz haver em abundância, da caminhada que quer fazer com Portugal e até do projeto desportivo, social e solidário ‘Fidjus di Bideras’. Um homem que deixou a Guiné Bissau com duas mãos atrás, jogou futebol no Leixões, foi adotado pelas gentes de Matosinhos, limpou vidros e estudou Direito e tornou-se um empresário de sucesso.

– Já tomou uma decisão quanto a uma candidatura às eleições da Federação de Futebol da Guiné Bissau?

– É verdade, serei candidato.

– Com que propósito?

– Entendemos que é preciso mobilizar-nos para transformar o futebol na Guiné. Essa transformação visa desde logo beneficiar os jovens, mas também beneficiar os clubes e beneficiar o país. É conhecido que a Guiné tem potencial. Tem muitos bons jogadores. Tem talento, mas falta depois a transição eficaz do talento que possa beneficiar os miúdos e toda a sociedade guineense. Falta toda uma organização, a escolha de uma metodologia apropriada, para que país possa beneficiar do seu principal recurso, o talento dos seus jovens.

– Deverá ter a concorrência do atual presidente, em cuja lista foi eleito no último ato eleitoral, tendo-se demitido entretanto. É sinal de divergências?

– A grande divergência é de uma visão para o futebol guineense. Penso que o grupo a que pertencia não revela visão. Pensava introduzir inovação, colocar as coisas a andar, mas a uma determinada altura percebi que não dava.

– Demitiu-se alegando motivos pessoais…

– … porque não queria arranjar problemas. De facto, não foi por motivos pessoais, foi porque estava contra a gestão que estava a ser implementada, não se coadunava comigo… saí. Hoje está vista de todos que estava certo, as coisas não podiam continuar daquela maneira, e quero apresentar uma alternativa. Não sou eu sozinho, há um conjunto de jovens que se mobilizaram. Há neste projeto uma evolução geracional. As pessoas querem mudança e estamos a trabalhar no sentido de oferecer uma proposta alternativa.

– Há entre os protagonistas do futebol guineense quem denuncie a corrupção como um dos maiores entraves ao desenvolvimento. Mas suas prioridades, que lugar ocupa o combate a uma alegada corrupção?

– Quero deixar as autoridades judiciais fazerem o seu trabalho, há situações que estão a ser analisadas pela justiça. Tenho o presidente em conta de uma boa pessoa, goza do princípio da presunção de inocência, a minha crítica ao atual presidente cinge-se apenas à ausência de visão para transformar o futebol da Guiné. É aí que ele peca. É verdade que nos foram apresentados alguns documentos para os quais pedimos explicações, mas esse não é o foco. A minha decisão de me candidatar tem algum tempo e penso que um presidente da federação, para ter força e mobilizar a sociedade guineense para a transformação, tem de estar acima de suspeitas. Suspeitas que não beneficiaram o futebol.

– Se for eleito, quais as prioridades que vai assumir?

– Temos de começar pela transformação do jogo. A qualidade de jogo tem de evoluir muito. Temos talento, mas a partir dos 13/14 anos se não saírem da Guiné não se consegue fazer mais nada para rentabilizar esse talento. Não há capacidade técnica para fazer evoluir os jogadores. Temos de capacitar os nossos técnicos. Como também os nossos árbitros e dirigentes. Caso contrário não vamos conseguir alavancar o talento. Por exemplo, se nos derem o Estádio da Luz, nós implementamos o estádio mas, depois, só temos o estádio, não temos mais nada. Mas se transformarmos o jogo e tivermos os miúdos a jogarem bem, o Benfica ou o Barcelona vai querer ir à Guiné para contratar jogadores. E será com esse retorno que vamos então investir no resto.

– Mas esse terá de ser um desígnio comum…

– … por isso elegemos como essencial a colaboração muito próxima com os 38 clubes e todas as associações desportivas. Eles é que fazem o futebol. Não é a Federação que, diretamente, se vai relacionar com os jogadores. Temos de trabalhar com os clubes, Os clubes da Guiné estão empobrecidos, completamente desestruturados. Até aqui, trabalhámos apenas numa lógia de associativismo, temos de trabalhar mais com os clubes. A nossa sociedade está desestruturada, acima de tudo devido à guerra civil de 1998, é preciso uma visão diferente, que passa por parcerias internacionais estratégicas, para que invistam. É preciso uma liderança capaz de dialogar com essas pessoas e atraí-las para um investimento na Guiné. Em infraestruturas e na qualidade do treino.

– Que papel pode desempenhar a Federação Portuguesa de Futebol?

– A federação portuguesa tem feito um trabalho extraordinário, queremos transportar um modelo de sucesso, adaptando-o à nossa realidade. Portugal tem acompanhado a Guiné e, comigo, acredito que vai acompanhar mais. De resto, ainda não venci, mas gostava muito que o dr. Fernando Gomes estivesse na minha tomada de posse. É com Portugal que queremos caminhar, desde logo na formação e capacitação de técnicos. Há modelos testados com sucesso. A lusofonia deveria aproveitar o conhecimento acumulado de Portugal. Até o Brasil já está a fazer isso, veja-se a quantidade de treinadores que tem contratado… Não temos dinheiro para contratar os melhores, mas temos margem para parcerias estratégicas, desde logo com as universidade. Temos de formar, formar, formar…

– Que plano para a seleção?

– A seleção representa muito mais do que uma equipa de futebol. É um fator de coesão. É a seleção que une e dá paz, quando joga, a uma sociedade que ainda tem questões a resolver. Tenho de homenagear o trabalho extraordinário do selecionador Baciro Candé, face aos recursos. Temos de melhorar muito e capacitar a seleção para obter melhor resultados. O selecionador fez um milagre, imagine o que se pode fazer se dermos mais organização e instrumentos para o sucesso…

– A diáspora continua a ser decisiva para os Djurtos?

– Por muito que o trabalho passe pela capacitação do jogador e do jogo na Guiné Bissau, temos de reconhecer que a diáspora, pelo nível de trabalho noutros países, é fundamental. Temos de transformar a seleção num ambiente propício à valorização dos jogadores. Temos de criar as condições para que os jogadores guineenses na diáspora deixem de ser pressionados, ou sejam desencorajados, a representar a seleção da Guiné. Acredito mesmo que quando conseguirmos organizar a federação e formos capazes de fazer um trabalho sério, iremos mobilizar melhor a nossa diáspora.

– Mas, por vezes, a questão das viagens, do tempo para as deslocações, acaba por desencorajar…

– É por isso que gostávamos de ter um polo da seleção em Lisboa. Uma seleção paralela à principal e que jogasse aqui, em Portugal. Portugal é mais uma extensão territorial da Guiné a avaliar pelo número de guineenses que estão no país. Agora imagina que criávamos as condições para os ter juntos, a competir, numa equipa paralela à seleção.

Criou uma academia chamada Fidjus di Bidera. O que significa e qual o objetivo?

– Em português significa filho de vendedoras. Na Guiné, o pequeno comércio é a base da economia, a base do sustento das famílias. No fundo, são as nossas mães e as nossas avós que labutam no pequeno comércio. Em 2013 decidi criar uma academia para jovens, em homenagem à minha mãe, que ainda hoje vende. Tem sido uma escola de formação, uma escola de vida. Hoje é um clube que compete na segunda divisão.

– Saiu da Guiné com 12 anos e chegou a Portugal com duas mãos atrás… Hoje, é formado em Direito e empresário de sucesso. Que caminho foi este?

– Um caminho em que agradeço muito ao futebol. Fui jogador, fiz a formação no Leixões, o meu clube. As pessoas de Matosinhos acolheram-me muito bem, deram-me as condições para poder estudar. Primeiro na secundária João Gonçalves Zarco, onde os professores eram pais e amigos. Deram-me todas as condições para poder sonhar. Do Leixões fui para o Salgueiros, depois para o Boavista. Na transição para sénior percebi que não poderia ser o Messi e decidi trabalhar. Fui limpar vidros, janelas, montras… Ao mesmo tempo entrei na faculdade. Hoje sou empresário na área do granito e areias pesadas.

– O que lhe ensinou a vida?

– A importância da resiliência. Podemos ter tudo o que quisermos, temos é de lutar.

– Conclua a frase: a Guiné Bissau vale a pena porque…

… porque é um país de futuro. E o futuro tem de começar a ser concretizado hoje.

Fonte: A Bola

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