«Não viva para que a sua presença seja notada, mas para que a sua falta seja sentida». Bob Marley
Existem heróis épicos. Heróis corajosos. Existem também heróis empáticos, amados, temidos, respeitados. Heróis eloquentes. Existem heróis perfeitos. Heróis sedutores. E depois existe o Rafa.
Rafa é um herói difícil de definir e que nunca será consensual. Apesar de impressionantes números de jogos, golos e assistências em oito épocas de Benfica, foi talvez o jogador que mais dividiu a crítica e a opinião dos adeptos. Herói? Entre o sim e o não, uma série infindável de explicações «sim, mas…» ou «não, embora…». Um copo que nunca esteve nem cheio, nem vazio, nem meio cheio nem meio vazio.
Talvez a personalidade de Rafa tenha contribuído muito para a divisão de opiniões. Um «feitio especial », resume quem com ele priva. Não é fácil arrancar-lhe uma emoção. Quase inexpressivo. Tão fechado sobre si que, confesso, está no topo da lista de pessoas que gostaria de entrevistar. Para mais, as poucas intervenções públicas de Rafa podem ser medidas entre o lugar comum ou a total inépcia de comunicação. Quem é, afinal, Rafael Alexandre Fernandes Ferreira da Silva, que amanhã faz 31 anos?
Muitas vezes é no momento da separação que conseguimos avaliar a importância que alguém tem na nossa vida. Os adeptos fizeram essa avaliação no jogo com o Arouca, o último de Rafa na Luz. Foi um tributo bonito. Perfeito. Até na forma como Rafa declinou marcar duas grandes penalidades — não precisava de favores, mesmo que muito bem intencionados — e se guardou para dois soberbos golos e uma assistência. E a reação e carinho manifestado por quem vive e trabalha diariamente com Rafa diz-me muito do que eu preciso de saber.
Finalmente, no último jogo em casa, Rafa num pleno momento de metamorfose. O momento em que deixou de ser um patinho-feio e se assumiu no esplendor do cisne. Ou, noutra perspetiva, o momento em que, em uníssono, os adeptos percebem a clara diferença entre feitio e caráter.
Despedida bonita também a de Taremi. No último jogo no Dragão marcou, no último suspiro do jogo, um golo que valeu uma vitória. E chorou. E fez chorar. Um percurso bonito no futebol português e, em especial, no FC Porto. Muitas vezes um anti-herói. Caricaturado, até no Irão, como o jogador que se atira para a piscina… Mas os heróis também pecam, porque antes de heróis são humanos.
Só tenho guardado os golos que marca, o muito que trabalha e a coragem cívica que revela de levantar a voz contra o regime do Irão. A voz que condenou a morte por espancamento da jovem curda iraniana Mahsa Amini. A voz que se levantou após a condenação à morte de dois jovens por enforcamento. «A justiça não se faz com uma corda», escreveu. Bravo. Boa sorte no Inter.
Deixei para o fim a parte mais difícil desta crónica. Por mais voltas que dê à cabeça, não me sai nada que seja digno da homenagem que gostava de prestar ao Fernando Emílio, de quem fui companheiro de profissão e de A BOLA. O Senhor Ciclismo. Terei sempre gravada a voz de trovão com que anunciava a sua chegada à redação, com carregado sotaque alentejano e uma piada de caserna que sempre nos fazia rir e punha bem dispostos. Em termos profissionais, a lição aos jovens jornalistas: uma coisa é ter sucesso, outra é ser sucesso. E há coisas que só o tempo acrescenta. E que o talento não basta. Quando conservado em barril de humanismo, paixão e esforço, o tempo se encarregará de transformar esse talento em bom vinho. Reserva, meu caro Fernando Emílio. E, claro, alentejano. Um brinde.
Fonte: A Bola