Análise E se o ‘gegenpressing’ estiver a definhar a céu aberto?

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Klopp vai despedir-se no próximo fim de semana de Liverpool e de Inglaterra, e a filosofia, só por si, já parece insuficiente

Uma ideia no futebol, seja um novo esquema, uma dinâmica ou uma estratégia, é sempre um ponto de interrogação deixado no ar. Se é bem-sucedida, será sempre formulada da seguinte forma: como é possível anular X, sendo X o algo de novo que determinado treinador trouxe para o relvado?

Com tantos técnicos a pensar ao mesmo tempo, criando um supercomputador humano à extensão planetária, é natural que qualquer novidade seja anulada em mais ou menos tempo e, por isso, felizes daqueles insatisfeitos permanentes que estão constantemente a acrescentar algo ao seu modelo. É aqui que está explicada desde logo a obsessão de Guardiola por novas experiências, mesmo que continue a ganhar, sobretudo em contexto britânico.

Por exemplo, o gegenpressing que Jürgen Klopp criou em Mainz, à beira da Floresta Negra, e depois tornou famoso em Dortmund, chamando àquela verticalidade furiosa e caos o tal heavy metal football, ainda é hoje uma tentativa de antídoto ao guardiolismo, o futebol pausado e dominador que Pep Guardiola desenvolveu em Barcelona e transportou para a Alemanha, antes de o por fim semear em Inglaterra.

Durante algum tempo, a contrapressão foi uma resposta interessante à proposta futebolística do catalão, todavia, na verdade, era sim a resposta a uma outra questão, bem diferente: como abordar a falência do modelo alemão do líbero, linha defensiva baixa e marcação individual, que começou a ser impossível de disfarçar a partir de 2000?

Klopp não foi o primeiro a responder ao problema, mas sim o seu mentor e treinador (de 1998 a 2000) no Mainz: Wolfgang Frank. Antes, no início da década de 1990, também Ralf Rangnick e Helmut Gross tinham lançado as sementes para a Escola de Estugarda, que passaria a professar até hoje ideias bem diferentes das então vigentes, defendidas pelas maiores figuras do jogo no país, como Franz Beckenbauer, campeão do mundo como jogador e treinador, e modelo para o líbero ideal.

Quando Klopp levou o Dortmund ao bicampeonato, em 2009/10 e 2010/11, fê-lo respeitando as ideias do mestre, que aprimorou e tornou, por fim, famosas e, sobretudo, funcionais. Era possível vencer títulos com aquele futebol de elevadas octanas, tremendamente agressivo em número na recuperação de bola e veloz no ataque à baliza. O risco parecia anulado.

O próprio Bayern teve de mudar e adaptar-se para recuperar o domínio. Foi o que fez Jupp Heynckes no ano do treble, precisamente na época em que soube que iria sair no final, apesar de nunca ter confirmado a ideia de reforma, e dar o lugar a Guardiola.

Com a transplantação da versão mais proativa do tiki-taka (o espanhol odeia o tiki-taka pelo tiki-taka, ou seja, o controlo da bola sem objetividade e atacar a baliza rival) para a Sabener Strasse, Pep teve belos duelos com os progressistas alemães, porém nunca lhes deu hipótese, ficando, no entanto, a dúvida se essa superioridade não estava desde logo subvertida pelo poderio do emblema que representava.

Quando Klopp reencontrou o catalão em Inglaterra, repetiu-se o desafio, com o alemão a poder orgulhar-se de ter sido o maior rival do agora treinador do Manchester City. Reclamou um título e algumas taças, e até triunfou na Europa, com a Liga dos Campeões de 2018/19, antes de Guardiola, porém nunca atingiu a hegemonia. No plano oposto, o seu rival caminha a passos largos para tal.

A questão é que o gegenpressing nunca se conseguiu tornar autossuficiente ou ideia dominante, a não ser aqueles dois anos em Dortmund. Em Liverpool, o próprio Klopp sentiu necessidade de equilibrar a equipa, procurar também a pausa e jogadores que lhe dessem o controlo do jogo e o lado do ataque posicional. Ao mesmo tempo, as questões que a sua filosofia colocara também estavam a receber respostas. Como combater a pressão alta feroz dos reds? Com centrais mais rápidos, mais técnicos, bons no passe e no transporte de bola. Com médios a baixar para a linha defensiva para aumentar a qualidade da construção. Com laterais metidos por dentro para dar linhas de passe e gestão da bola. Com jogadores confortáveis com a bola nos pés nos mais variados momentos.

Enquanto o gegenpressing como um todo implodia, os outros modelos integraram-no como parte ou componente importante. Hoje, são poucas as equipas que não pressionam alto ou contrapressionam e ao mesmo tempo são capazes de estabelecer verdadeiros cercos às linhas defensivas rivais e perfurá-las de forma organizada. Gerem também a pressão e a altura dos blocos consoante o momento, tornaram-se híbridas.

O paradigma vigente é hoje o ataque posicional, que já tinha englobado a pressão agressiva e contrapressão desde os primórdios da era de sucesso ainda em Barcelona – embora sem o momento final de ataque à baliza e sim como apoio do recomeço da organização ofensiva – e procura a cada dia torná-la mais opressiva e controladora. Juntou-lhe ainda uma objetividade menos comum, com cruzamentos e transições que antes eram praticamente heresia quando referidos publicamente.

No entanto, o seu sucesso já origina perguntas. O relacionismo ou ataque aposicional que vimos no Fluminense de Fernando Diniz, um pouco ainda no Bayer Leverkusen de Xabi Alonso e no Real Madrid de Carlo Ancelotti são as primeiras formulações. Um novo capítulo de hibridez. Uma nova resposta rumo a um novo paradigma, se este, por alguma razão, não for entretanto reforçado. Porque é aí que está o segredo. E Guardiola sabe-o bem.

Com o adeus anunciado de Klopp à Premier League, o gegenpressing enfrenta uma perda de expressão acentuada. Por muito próximo nas ideias que seja o seu sucessor, o Liverpool e a liga inglesa não voltarão tão cedo a ser os mesmos.

Fonte: A Bola

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