Graça Machel, militante sénior da Frelimo, diz que a máquina administrativa da Frelimo está capturada por um grupo de membros que usam o partido para interesses próprios, desvirtuam a “razão de ser” do partido, deixando uma ideia de o partido “é formado por ladrões, assassinos e arrogantes”.
Em carta dirigida ao partido no poder e datada deste mês, a antiga Primeira-Dama refere, ainda, que a Frelimo deve reconhecer os erros que tenha cometido “e, se necessário, pedir desculpas ao povo”. E, pela sua tradição e prática, o partido deve “reconhecer e aceitar as vitórias” onde tenha ganhado e “aceitar honestamente as derrotas onde houver”.
Leia a carta, na íntegra, do antigo membro do Comité Central.
“É URGENTE A REALIZACÄO DA REUNIÄO DE QUADROS PARA REFLECTIRMOS EM COLECTIVO SOBRE A VIDA DO PARTIDO”
Eu sou membro do partido Frelimo por opção, consciência e convicção. Tal como eu, são milhões de membros, cerca de quatro milhões, com ou sem cartão, e atrevo-me a adicionar os simpatizantes, que comungam dos valores de liberdade, democracia, unidade nacional, paz, igualdade, solidariedade e justiça social, assentes nos Estatutos que regem a organização;
Por inércia, inacção e complacência, nós, os milhões de membros da Frelimo, assistimos, nos últimos anos, à captura da máquina administrativa do Partido por uma fracção de membros, responsáveis pela erosão e desvirtuamento da razão e sentido de ser da Frelimo;
Deixamos de implementar o princípio unidade, crítica e unidade, que sempre nos guiou, e relegámos parte da máquina administrativa do Partido a um grupo de interesse com agenda própria, que age em nome da Frelimo, mas contra a própria Frelimo. Os quadros permitiram que se confundisse o Partido com essa parte da máquina administrativa infiltrada por um punhado de membros com compromissos contrários aos nossos Estatutos e Programa;
Nem todos os membros que compõem a máquina administrativa da Frelimo traíram o Partido, mas a influência da fracção a que me refiro levou a que se perdesse o sentido de família, a ideia de que a Frelimo são todos os seus membros e de que a máquina de direcção, toda ela, serve os interesses da organização no seu todo. Daí se explica o desfasamento entre a gestão do Partido e os milhões de membros, assim como as dificuldades da Frelimo em continuar a ser, no mapa político, um partido de massas, aglutinador, que capta e transforma em agenda de trabalho as demandas, necessidades e sentimentos do povo moçambicano;
A inércia, inacção e complacência dos quadros permitiu que, na sociedade moçambicana, se gerasse e consolidasse a narrativa de que a Frelimo, o nosso Partido, é formado por ladrões, assassinos e arrogantes;
É de extrema importância e urgência desfazermo-nos deste descalabro e resgatarmos, como milhões de membros e simpatizantes, a verdadeira identidade da Frelimo, a sua história, as suas tradições e as suas práticas. É urgente resgatarmos o nosso DNA. Como militante, subscrevo a proposta, veiculada por alguns camaradas, de realização de uma REUNIÃO NACIONAL DE QUADROS, para, em colectivo e de forma aberta, reflectirmos sobre a vida do Partido e abrirmos novos caminhos para recuperar a confiança, credibilidade, respeito e a química com o nosso povo. A soberania e manutenção da Frelimo residem nos seus membros. Vamos sacudir a inércia, inacção e a complacência. Vamos assumir a nossa militância!
A fase crítica que o Partido atravessa impõe-nos, como milhões de membros, humildade, para assumirmos responsabilidades e conquistarmos a legitimidade perante o nosso povo. A humildade a que me refiro passa necessariamente por reconhecer os erros cometidos pela Frelimo e, se necessário, pedir desculpas ao povo; passa por nos distanciarmos do grupo minoritário que assaltou parte da máquina do partido e que age em sentido contrário à sua história, suas tradições e suas práticas; passa por reconhecer e aceitar as vitórias onde ganhámos honestamente e reconhecer e aceitar honestamente as derrotas onde houver;
Vamos assumir a nossa militância! Está em causa a nossa sobrevivência como Frelimo – o partido do Povo!!!
Fonte:O País