Alguns pensamentos e notas tiradas sobre o Campeonato da Europa de 2024
Ao dia 4 do Euro 2024, surgiu a primeira grande surpresa, com a derrota da Bélgica diante da Eslováquia, e também a Roménia surpreendeu a Ucrânia. Foi o dia dos blocos mais baixos levarem a melhor, incluindo… o francês.
Poderá parecer estranho, mas Didier Deschamps, o segundo dos treinadores presentes há mais tempo no comando de uma seleção, sempre teve uma abordagem conservadora ao jogo, fosse nos nomes, no modelo ou na estratégia. Por isso, se a presença de Rabiot e Kanté no primeiro 11 só poderá espantar os mais distraídos, também dificilmente um posicionamento médio-baixo, que favorece os arranques com espaço dos três velocistas da frente (Mbappé, Dembélé e Thuram) poderá ser considerado contranatura.
Perante a expectável pressão agressiva, em enxame, dos austríacos, ou não fossem treinados por um dos seus principais ideólogos, o alemão Ralf Rangnick, Deschamps sentiu-se mais confortável com a capacidade de Kanté para discutir todas as bolas e com a destreza de passe de Rabiot para sair da teia que seria montada à volta do seu setor mais recuado. Os austríacos tentavam através de Sabitzer impedir que a bola chegasse ao lateral Koundé e assim bloquear a ligação deste com Dembélé (uma das mais eficazes dos gauleses), o que só teve parcialmente sucesso.
À pressão austríaca, les Bleus reagiram desta forma:
Apesar da excelente exibição de N’Golo Kanté, o selecionador gaulês foi de imediato muito criticado pelas escolhas, uma vez que deixou nomes como Barcola, Tchouaméni, Camavinga, e Fofana, entre outros, no banco de suplentes. Os dois últimos ainda entraram na segunda parte, mas Fofana fê-lo já no período de compensação.
Apesar de parecer faltar presença na área e de se notarem algumas dificuldades em criar momentos de ataque quando a pressão não funciona, a Áustria teve uma ou outra oportunidade, e talvez a mais flagrante de todas estas, com Baumgartner a desperdiçar perante Maignan, depois de ser isolado por Sabitzer. Na jogada seguinte, les Bleus inauguraram o marcador, num autogolo de Wober.
A lesão de Mbappé – fratura do nariz – deixa naturalmente preocupações junto dos adeptos, que assistiram a um triunfo justo, mas sofrido diante dos austríacos. O avançado já anunciado pelo Real Madrid nem estava a ter até aí uma noite de grande acerto, ainda que tenha estado no golo da sua equipa.
Não há comparação entre uma Bélgica, mesmo em fase de rejuvenescimento e renovação, e a Eslováquia quando se trata de medir talento. Desta vez, não houve Eden Hazard e Trossard foi titular na estreia, ao contrário do que aconteceu no Catar, e o eixo defensivo teve finalmente juventude, com Zeno Debast, que está a caminho do Sporting, ao lado de Wout Faes: 20 e 26 anos, respetivamente. A linha de três centrais está arrumada na gaveta desde a saída de Roberto Martínez, hoje selecionador português, e a entrada do italo-alemão Domenico Tedesco.
Para a Eslováquia, o crime compensou. Aguentou, aguentou, resistiu à pressão alta (com referências individuais) do adversário, correu a todas as bolas, viu Lukaku falhar golos e o VAR anular os restantes, já depois de Ivan Schranz inaugurar o marcador aos 7 minutos, e conseguiu vencer. O seu 4x5x1 resistiu até ao último suspiro e ficou em vantagem na luta pela qualificação. A Bélgica perdeu grande parte da margem de erro.
O golo mostrou ao que vinha o adversário de Portugal na qualificação. Alta rotação, sair em velocidade (graças a um meio-campo muito dinâmico) e finalizar sempre que possível. Contudo, os três pontos só foram possíveis mediante tanto desperdício belga. Daí que falar de uma estratégia vencedora será sempre algo redutor.
A Roménia surpreendeu a Ucrânia por 3-0 e é, ao fim da primeira ronda, o inesperado líder do Grupo E.
E se a estratégia de Edward Iordanescu, ao contrário de uma fase de qualificação em que foi bastante mais proativo, seria esperar pelo erro contrário, a verdade é que não entregou isso ao acaso: pressionou alto, de forma agressiva, e forçou um mau passe de Lunin. Aos 29 minutos, Dennis Man recuperou a bola e entregou-a ao jeito do pontapé em curva de Stanciu para um golaço que começou a inclinar a partida a favor dos seus.
Enquanto a Ucrânia montou um ataque mais posicional, a Roménia saltou em velocidade para a transição. No entanto, não foi só isso. Houve nos romenos algo que não foi técnico ou tático. Houve fé. Só assim se explica o tiro do meio da rua de Razvan Marin aos 53 minutos, com Lunin – que ganhou a corrida à titularidade ao benfiquista Trubin – a deixar passar a bola por baixo dos braços esticados. O 2-0 destruia as expetativas do conjunto de Serhiy Rebrov em retirar algo positivo do encontro.
Quatro minutos depois, o 3-0, por Dragus, após nova assistência de Dennis Man, confirmou um triunfo arrebatador para uma seleção que há muito anda longe dos grandes palcos.
O dia 4 traduz-se pela vitória do pragmatismo sobre a filosofia de ataque. Veremos o que nos traz o próximo, com Portugal em campo.
Fonte: A Bola