Industrialização precisa de uma visão estratégica e de longo prazo

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Em entrevista ao “Semanário Económico”, Jaime Comiche, representante da UNIDO em Moçambique, apresentou uma análise detalhada dos desafios e oportunidades que o país enfrenta no seu caminho para a industrialização. O contexto actual, segundo ele, exige uma abordagem estratégica, que vá além dos ciclos políticos de curto prazo e estabeleça bases sólidas para o crescimento industrial a longo prazo.

Comiche começou por recordar que Moçambique, nos anos 1970, foi uma das nações mais industrializadas da África Subsaariana. “Naquela época, quase tudo o que consumíamos era produzido localmente,” comentou ele, lembrando que o país, à época, tinha uma base industrial diversa e capaz de fornecer desde materiais de construção até veículos e bens de consumo diário. No entanto, esse passado foi diluído ao longo das décadas seguintes, com uma redução significativa da capacidade produtiva e da diversidade industrial do país.

Actualmente, segundo o representante da UNIDO, a indústria transformadora de Moçambique é caracterizada por baixos níveis de tecnologia e complexidade, com maior foco na produção de bens agroalimentares e bebidas. “A maior parte da nossa indústria ainda está limitada a produtos muito básicos e rudimentares,” explicou Comiche, destacando que a diversificação da economia é essencial para que o país avance de forma sustentável.

Necessidade de infraestrutura e qualificação

Para Jaime Comiche, um dos maiores obstáculos à industrialização de Moçambique é a falta de infraestrutura adequada. “Nós não temos estradas, não temos ferrovias suficientes, e a internet, quando existe, não chega com a qualidade necessária aos locais certos,” afirmou. Ele ressaltou que o sector privado precisa de condições favoráveis para investir, e sem uma base sólida de infraestrutura, é difícil atrair investimentos que possam transformar os recursos do País em produtos de maior valor agregado.

Apesar desse cenário, Comiche é optimista quanto ao potencial humano de Moçambique. “Hoje, temos uma massa crítica de jovens qualificados, muitos dos quais dominam tecnologias digitais,” disse, comparando a capacidade actual àquela existente no período em que Moçambique era mais industrializado, quando havia muito menos técnicos formados. No entanto, ele reforçou que a formação contínua e o treinamento de mais jovens é essencial para sustentar o crescimento da indústria.

Parque Industrial de Beluluane: Um exemplo de sucesso que deve ser reiterado e replicado

No decurso da entrevista, Jaime Comiche destacou o Parque Industrial de Beluluane como um exemplo de sucesso a ser seguido no processo de industrialização de Moçambique. “Temos um exemplo dentro do país, no Parque Industrial de Beluluane, que pode servir de modelo para o futuro,” afirmou ele. Este parque industrial, que é uma referência no país, exemplifica como uma combinação de boa infraestrutura e parcerias estratégicas pode fomentar o crescimento industrial e gerar empregos de qualidade.

“O Parque de Beluluane já é um dos maiores angariadores de divisas fora do sector extractivo,” explicou Comiche, enfatizando que a maioria da produção do parque é destinada ao mercado externo, o que ajuda a equilibrar a balança de pagamentos do País. Ele destacou ainda que o parque emprega uma elevada percentagem de mão-de-obra local, gerando empregos qualificados para a juventude moçambicana. “Cerca de 90% da mão-de-obra no Parque de Beluluane é local”, sublinhou, ilustrando o impacto positivo deste modelo de desenvolvimento.

Integração nas cadeias de valor globais

Comiche referiu-se a importância de Moçambique se integrar nas cadeias de valor globais, argumentando que o País não precisa, necessariamente, produzir o produto final, mas pode se especializar em componentes de alta tecnologia. “Hoje em dia, a produção global é interligada. Um país pode se especializar em fabricar apenas componentes que são exportados para outros mercados,” exemplificou, citando o sector automóvel como um caso emblemático.

Nesse sentido, o representante da UNIDO acredita que Moçambique tem potencial para produzir componentes especializados que possam ser exportados para diferentes mercados. Isso não apenas diversificaria a economia, como também aumentaria a geração de emprego local e melhoraria a capacidade produtiva do país. “Se conseguirmos exportar componentes, estamos a gerar empregos e receitas para o país, mesmo que o produto final seja montado noutro lugar,” argumentou.

Desafios e soluções estratégicas

Jaime Comiche reconheceu que o caminho para a industrialização de Moçambique ainda é longo, especialmente devido às restrições orçamentais e à falta de infraestrutura. No entanto, ele acredita que o país pode contornar essas dificuldades ao adoptar uma abordagem estratégica, baseada em parques industriais que concentrem os esforços de infraestrutura em áreas específicas. “Se ficarmos à espera de ter toda a infraestrutura a nível nacional, nunca vamos crescer. Os parques industriais são a solução certa,” afirmou.

Comiche vê um contexto favorável na medida em que o Governo de Moçambique está comprometido com a Agenda 2030 da União Africana, A Zona de Comercio Livre Continental Africana, e o roteiro de industrialização da SADC, todos focados na transformação estrutural das economias africanas. “Já existe um cenário montado. Agora precisamos começar a implementar uma estratégia contínua,” finalizou, destacando a importância de manter a consistência nas políticas de industrialização, mesmo com diferentes ciclos políticos.

Fonte: O Económico

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