OPINIÃO A formação de competição

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Quando as crianças chegam a casa, trancam-se dentro dos quartos e acham que não foram opção porque estão gordas ou são péssimas no que fazem, algo está muito, muito errado

Sempre tive dificuldade em entender o comportamento primitivo de alguns pais-adeptos, que passam o tempo a barafustar com árbitros, ridicularizar adversários (que têm a mesma idade dos seus filhos) ou questionar sistematicamente as escolhas dos treinadores durante os jogos.

A paixão imensurável pelos filhos pode permitir-lhes excessos emocionais mas não pode nunca fundamentar má-educação, insultos, ameaças ou até agressões.

Mas esta constatação não anula outra, igualmente importante: os pais também têm direitos, sobretudo aqueles que sabem estar e que pagam mensalidade a um clube na expetativa de que os seus filhos cresçam, absorvendo muitos dos valores essenciais do desporto: disciplina, responsabilidade, compromisso, resiliência, perseverança, empatia, respeito, etc.

É compreensível que uma instituição desportiva tente orientar as suas equipas para a busca incessante pela vitória. Afinal de contas, o sucesso desportivo é o objetivo em qualquer competição. É também compreensível que, dentro de cada equipa, joguem mais vezes os que trabalham mais e que mostram maior disponibilidade, empenho e talento.

Mas em escalões de base como os iniciados ou infantis, não é compreensível que essa seja a meta mais importante.

Vencer jogos, ganhar campeonatos ou preparar atletas para equipas futuras é ambição legítima, mas que deve começar mais tarde. Não com meninos e meninas de 12 ou 13 anos. Nessas idades, onde ocorrem profundas alterações a nível físico, mental e emocional, o que é crucial é que absorvam os tais valores enquanto treinam e jogam com alegria. É fundamental que se sintam felizes, valorizados, integrados e que se divirtam enquanto aprendem.

Quando a pressão pela vitória ou a ambição pelo recrutamento começa tão cedo, a igualdade de oportunidades diminui, a diferenciação dentro do grupo aumenta e eles(as) percebem. Percebem mas não sabem gerir. E é aí que a autoestima dos mais vulneráveis começa a vacilar. Quando, em vez de aceitarem os resultados com fair play, as crianças choram porque perderam ou jogaram mal, algo está errado. Quando, em vez de perceberem que ganhar e perder faz parte, as crianças sentem-se responsáveis por não terem vencido, algo está errado. E quando as crianças chegam a casa, trancam-se dentro dos quartos e acham que não foram opção porque estão gordas ou são péssimas no que fazem, algo está muito, muito errado.

É precisamente para evitar esses constrangimentos que várias modalidades já criaram regulamentação diferenciada nestes escalões: todos os convocados (se são convocados, mereceram a confiança dos treinadores) têm que somar minutos de jogo e, nalguns casos até, o mesmo número de minutos entre si. É precisamente para evitar esses constrangimentos que várias modalidades retiraram o caráter classificativo dessas competições, sem que curiosamente isso tenha prejudicado a entrega, espírito competitivo e qualidade de jogo dos mais pequeninos. Pelo contrário.

Não há fórmulas perfeitas que permitam agradar gregos e troianos, sobretudo em atividades onde os objetivos do todo podem não coincidir com os da parte. Mas há situações tipificadas, estudadas e avaliadas por gente que sabe e, nestas idades, esta é claramente uma delas. Basta pesquisar e ler.

Que os mais novos tenham a possibilidade de crescer saudavelmente, sem que sejam os seus pais, professores ou treinadores a fazê-los sentirem-se menos válidos do que os seus pares.

Para mau já chega o que têm que enfrentar no mundo dos adultos.

Fonte: A Bola

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