A menina da Ronil

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Por: Sara Nhabau A menina da Ronil. Assim dizem, quando relatam a minha história. Afinal, quem é a menina que assombra o bairro? É a Leonor. Esta é a minha história. Aos meus 15 anos, saí às ruas de Lourenço Marques. Estava um dia lindo e as acácias traziam cor à cidade. Não sabia eu que era a última vez que via a estrada cheia de viaturas de marcas e jovens desfilando os seus estudos. Atravessava para junto aos outros esperar transporte para regressar à casa, quando um condutor, sob efeito de álcool, bateu-me. No momento perdi consciência. O meu corpo ficou estatelado no passeio e cheio de vinho que das veias escorria. A minha perna não se mexia. O condutor viu a minha condição e preferiu colocar-se em fuga. Na hora, fiquei sem forças. Pedi ajuda, mas ninguém se aproximava. Então, vi os meus antepassados. Era a morte!Fechei os olhos. O meu coração parou de bombear sangue e a minha alma deixou o corpo. Haaa, a ambulância chegou. Aliás, o coveiro veio tirar-me. Aí começou o terror. A minha família teve informação. Rapidamente, vieram reconhecer o meu cadáver. No dia seguinte, procederam com o meu funeral. E pronto. Abandonaram-me. Não houve oitavo dia, nem seis meses, mal esperei pela missa de um ano.O condutor, este tinha um filho cinco anos mais velho do que eu. Nele recaíram os males do pai, para todo caso há um acaso. O jovem, já com 25 anos, fez-se às ruas da cidade, justamente na Ronil. A minha alma amargurada pelo abandono após o acidente e após a morte, decidiu assombrar os vivos. Num vestido cor da noite, com um sorriso e toda deslumbrante, fiz-me ao local onde Armindo, filho do condutor, estava, humildemente. Saudei-lhe. Ele foi gentil que a conversa alongou-se até que saímos para uma barraca onde bebemos até a madrugada, mal imaginava que estivesse com uma alma morta. O passeio foi agradável até que o meu filme começou.Disse-lhe que sentia muito frio e era asmática. Gentilmente, emprestou-me seu casaco. Levou-me ao portão da minha casa e despediu-me com a promessa de nos vermos mais logo. Chegado a sua casa, com o sorriso no auge, relatou o sucedido à sua família que alegremente felicitaram-no pois nunca havia saído para passear com uma jovem. Às 16 horas, preparou-se e foi à casa que lhe tinha apresentado como minha. Chegado lá, bateu e minha mãe atendeu.Quem é? – perguntou minha mãe.Sou Armindo, amigo da Leonor. – respondeu o jovem.Em quê posso ser útil? – perguntou novamente minha mãe.Venho ter com ela, pode chamá-la? – perguntou o jovem.Minha mãe ficou espantada e em simultâneo ficou triste porque achou que o jovem estivesse ali para tirar sarro dela. O jovem não entendeu o motivo da repentina mudança do semblante da minha mãe, dona Judite.Ela morreu, passam cinco anos. – disse minha mãe.Não é possível, estive com ela ontem, a mesma levou-me até aqui e ficou com o meu casaco porque sentia muito frio, alegando que é asmática. – relatou o jovem.Sim, ela era asmática e morreu num acidente, inclusive fez cinco anos ontem. – explanou minha mãe.Não, não é verdade. – Armindo recusou-se a acreditar.É, sim. – afirmou dona Judite.Minha mãe convocou todos os que estavam em casa: senhor Nguluve, meu pai e meus dois irmãos, Alfredo e Zaina, estes também confirmaram o que a minha mãe antes dissera. O jovem não acreditava, então, levaram-no à minha campa. Quase caía por trás, quando viu o seu casaco estendido no meu sepulcro. Foi aí que a minha família percebeu que o jovem falava a verdade.Depois de presenciar aquele cenário, o jovem voltou à casa abatido, e mais uma vez relatou o sucedido à família, deixando assim o pai a transpirar, acreditando que a menina vinha se vingar. Dia seguinte, a família de Armindo foi à casa de Nguluve, conversaram e decidiram que deviam fazer missa.Passado um mês, fizeram o decidido e todos passaram a ter uma vida normal. Armindo, com os seus 27 anos, já tinha a sua família, mas nunca mais passou da Ronil. A minha família e do condutor já havia recebido o meu perdão pelo abandono sepulcral.A minha história até os dias actuais é narrada em Maputo, cidade das acácias e antiga Lourenço Marques.04 de Maio de 2024

Fonte:O País

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