Já faltou mais

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Se o leitor sente que pareço cansado ou farto do atual estado do Benfica, é porque estou. Não tenhamos dúvidas. O Benfica precisa de uma revolução

Fomos ontem informados de que o presidente do Benfica se prepara para dar uma entrevista. Acontece tão poucas vezes o líder do clube falar que a coisa ganha ares de uma encíclica que está a chegar. Tendo em conta os poucos esclarecimentos prestados por esta direção e pela sua liderança, não será de estranhar que a entrevista desta quinta-feita venha a ser, afinal, a reflexão do presidente prevista para a próxima década. Depois só voltamos a saber do presidente em 2035, ou, se possível, assim que alguém tiver mais votos do que ele. A notícia do regresso de Rui Costa, surge, como sabemos, depois de Roger Schmidt ter assumido interinamente o cargo de presidente do clube e diretor de comunicação. É uma trajetória estranha esta a de alguém que repetidamente insiste que o Benfica só vencerá se todos nos juntarmos à volta de uma fogueira para cantar em harmonia, se possível o tempo suficiente até termos um lateral-esquerdo de raiz no plantel que o treinador considere apto para a prática da modalidade.

Ainda não é claro se Schmidt continuará a acumular as funções de presidente e diretor de comunicação com o cargo de treinador da equipa principal, mas já parece ser oficial que vamos manter o treinador que explicou repetidamente ao clube com mais adeptos que podiam ficar em casa. Schmidt deve ter visto a lista de espera do Red Pass e pensou que não tinha nada a perder. No fundo, é uma brilhante manobra de marketing com o propósito de demonstrar que o Benfica não só tem uma equipa principal e uma equipa B, como tem até adeptos suficientes para encher o estádio mesmo que metade deles decida ficar em casa.

Ainda sobre o treinador do Benfica, não deixa de ser divertido quando alguns perfis anónimos nas redes sociais, gente motivada que nos habituámos a ver lançar lama sobre toda e qualquer voz discordante, procuram comparar Schmidt ao seu conterrâneo Jurgen Klopp, isto porque uma vez também se terá virado contra alguns adeptos do Liverpool menos satisfeitos com o seu desempenho. Continua por descobrir que outra característica partilham estes dois treinadores para além da nacionalidade, mas estou seguro de que vai aparecer por aí uma cartilha cheia de números que mostram, pasme-se o leitor, que Schmidt é estatisticamente superior a Klopp. Aliás, nesta fase, só faltam mesmo as ruas de Lisboa vestidas de encarnado para aplaudir a sua despedida, como vimos este fim de semana em Liverpool.

A notícia sobre o regresso do presidente esclarece que, em lugar da habitual entrevista à BTV, a coisa será feita num novo formato, ainda por esclarecer. Eu tenho uma ideia para um novo formato comunicacional com o presidente do Benfica. Sei que é controverso, mas imaginem: a cada pergunta concreta feita em nome de um dos milhares de benfiquistas preocupados, o presidente do Benfica responderia de forma articulada e clara, sem papas na língua, explicando detalhadamente tudo o que correu mal, quem são os responsáveis, o que pretende fazer em relação a isso, até quando tenciona prosseguir com o atual estilo de liderança, porque é que desapareceu em combate quando o clube precisava de uma posição forte e próxima dos adeptos, quanto tempo mais vai ignorar a realidade putrefacta herdada da anterior direção, porque é que fez tão pouco daquilo que prometeu que iria fazer, e quando é que vai finalmente fazer tudo aquilo que devia já ter feito, mais que não seja por respeito aos benfiquistas e ao clube que dirige.

A acontecer, este formato seria uma lufada de ar fresco na televisão portuguesa e na vida do clube, mas suspeito que vou chegar ao fim da noite desapontado. É que, infelizmente, as pessoas habituaram-se a outra escola no Benfica. É uma espécie de universidade da vida que imperou durante largos anos, feita de caminhos sinuosos, negócios estranhos, pessoas pouco recomendáveis, decisões pouco justificáveis, e um estilo de liderança que, ainda assim, se escondia menos do que o atual. Desengane-se quem acha que isto é um apoio envergonhado a um regresso de Luís Filipe Vieira ao Benfica. Nada me desapontaria mais do que ver isso acontecer, mas acredito que os sócios do Benfica estão cada vez mais prontos para virar definitivamente a página. Quando digo isto, quero dizer justamente que, continuamos essencialmente onde estávamos há alguns anos. Esconderam-se os problemas com uma camada de verniz garantida por se bater muitas vezes no peito e anunciar o próprio benfiquismo, mas os problemas continuam todos aqui. Pensando bem, e feitas as contas, talvez mudar de treinador seja mesmo a decisão menos importante de todas. Se o leitor sente que pareço cansado ou farto do atual estado do Benfica, é porque estou. Não tenhamos dúvidas. O Benfica precisa de uma revolução. E, ou muito me engano, ou serão cada vez mais os sócios que pensarão assim.

É certo que se pode sobreviver por mais algum tempo com uma época de sucesso desportivo, mas isso será apenas adiar uma mudança que já devia ter chegado ao clube, e que vai inevitavelmente chegar. Disso depende a grandeza que o Benfica tem, e que merece que lhe seja devolvida. A satisfação com o atual estado das coisas apenas tenderá a diminuir o clube, até nos perguntarmos o que é feito dele. Para evitar isso, é necessária uma nova geração de pessoas envolvidas na vida do clube, com novas ideias, novas formas de estar que sejam eticamente inatacáveis, novos modelos organizacionais, novas formas de apresentar o Benfica ao mundo, novos protagonistas desportivos, novas formas de honrar aquilo que é antigo e essencial. Não é preciso um novo Benfica. É preciso quem lhe restitua a grandeza a todos os níveis. Felizmente, sinto que já faltou muito mais para a mudança acontecer.

Fonte: A Bola

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