Como Daniel Alves pode tramar as Finanças em Portugal

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A notícia de que o tribunal deu razão a Daniel Alves no diferendo com as Finanças em Espanha, obrigando estas a devolver 1,2 milhões de euros ao jogador, pode ter implicações em Portugal: sobretudo no processo «Operação Penálti» que corre no Ministério Público.

Recorde-se que há cerca de um ano, em maio de 2023, foram efetuadas dezenas de buscas a clubes de futebol, casas de jogadores e escritórios de agentes de jogadores, no âmbito da chamada «Operação Penálti», por suspeitas de fraudes perante a Autoridade Tributária.

Este processo, à semelhança do que aconteceu em Espanha com Daniel Alves e outros jogadores, partia do pressuposto de que havia fuga aos impostos por parte dos jogadores, nos pagamentos dos honorários aos empresários sempre que era celebrado um novo contrato.

«A relação jurídica é estabelecida entre clube e agente, não com o jogador. Por isso o pagamento que seja feito pelo clube ao agente é para efeitos fiscais atribuível a ambos, respetivamente como custo e como proveito, não ao jogador», refere ao Maisfutebol Jaime Carvalho Esteves, advogado fundador da J+Legal e antigo responsável da área fiscal da PwC.

«O que bem se entende: se a verba é devida ao agente e é por este auferida não pode ser considerada um rendimento do jogador, nomeadamente para efeitos de imposto sobre o rendimento, pela razão simples de que não há rendimento.»

A Autoridade Tributária em Portugal, tal como a Hacienda em Espanha, teve no entanto uma interpretação diferente. Para elas, o cliente do trabalho dos agentes é o jogador e, portanto, se há um pagamento aos agentes deve ser feito sempre pelo jogador.

Podem o jogador e o clube acordar que o valor desse pagamento ao agente sai da conta do clube, mas então tem de passar pela conta do jogador, que o recebe como rendimento, declarado no IRS e na Segurança Social, para posteriormente ser repassado ao agente.

Nesse sentido, a Autoridade Tributária efetuou no ano passado, em conjunto com o Ministério Público, dezenas de buscas a casas de jogadores como Pepe, Iker Casillas, Chiquinho, Vlachodimos, Gonçalo Guedes, Ruben Semedo, Beto Pimparel, André Pinto, entre outros, para além das SAD de Benfica, Sporting e FC Porto. O objetivo era encontrar provas de que os agentes tinham representado os jogadores na celebração de novos contratos.

Ora é neste ponto que os jogadores se opõem à Autoridade Tributária, tal como fez Daniel Alves em Espanha, argumentando que não pode haver dupla tributação.

O que é apoiado por alguns fiscalistas, e criticado por outros.

«Muito frequentemente, procurar tributar estas verbas no jogador parte do pressuposto de que tem de ser este a pagar ao agente. Mas não é essa a prática. E não o é, também, por razões fiscais. É que a remuneração do agente, se fosse paga pelo jogador, seria duplamente tributada: no jogador (como rendimento bruto pago pelo clube) e no agente, como remuneração de agenciamento paga pelo jogador», defende Jaime Carvalho Esteves.

Já Ricardo Palma Borges, também ele advogado fiscalista, não é tão conclusivo.

«Em Portugal já houve algumas decisões em tribunal sobre este tema e que deram parcialmente razão aos jogadores. O que é certo é que os regulamentos desportivos proíbem a dupla representação. Ou seja, pelo direito desportivo o agente tem de representar uma das partes e tem de ser pago pela parte que representa», refere.

«Os clubes argumentam que nem sempre é assim, por exemplo no head-hunting. Mas enfim, há uma certa tradição de tentar empurrar os custos dos agentes para os clubes, até porque os clubes podem deduzir o IVA. O que o Fisco tenta ver é se o clube paga uma comissão que à partida deveria ser paga pelo jogador e, nesse caso, não pode deduzir o IVA, porque pagou por um serviço que não foi feito para ele. Ou então se está a dar um benefício em espécie ao jogador, o que implica que o clube neste caso pagasse segurança social e que o jogador pagasse imposto porque contaria como rendimento.»

Para Ricardo Palma Borges, cada caso é um caso e foi isso que aconteceu em Espanha com Daniel Alves: conseguiu provar em tribunal que foi o Barcelona a contratar o empresário que tratou da renovação de contrato, pelo que só poderia ser o Barcelona a pagar pelo serviço.

«Há situações em que o agente trabalha para o clube e em benefício do clube, devendo por isso ser pago pelo clube. Foi o que aconteceu em Espanha. Não foi o Daniel Alves que contratou os agentes e por isso não tinha de ser ele a pagar-lhes.»

Já Jaime Carvalho Esteves entende que o caso de Daniel Alves pode fazer cair por terra as pretensões da Autoridade Tributária em Portugal.

«Sem dúvida. Os princípios são rigorosamente os mesmos. Se não há rendimento que tenha sido auferido pelo jogador, então não pode existir tributação. Querer tributar duplamente o jogador em IRS e o agente em IRC, acrescendo ainda IVA a cargo do jogador e, eventualmente, Segurança Segurança, é manifestamente abusivo», refere.

«O jogador só pode ser tributado se auferir rendimento do clube, o que não é o caso, ou do agente. Mas a existir, esse rendimento ocorre num momento posterior e não aquando do pagamento pelo clube ao agente. Querer tributar o jogador por este pagamento está votado ao fracasso.»

Já Artur Fernandes, presidente da Associação Nacional de Treinadores de Futebol, diz que a decisão do tribunal espanhol sobre o caso de Daniel Alves abre portas à pretensão dos agentes em Portugal de alterar rapidamente a legislação.

«Nesta altura estamos numa fase de eleições, mas quando houver um novo Governo vamos falar com a secretaria de Estado do desporto, quer as federações nacionais queiram vir connosco ou não, para haver uma clarificação da situação, através de um regulamento feito de acordo com a legislação, para evitar que o jogador seja tributado duas vezes», garante.

«Não pode haver dupla tributação. O jogador recebe o que tem a receber e declara esse valor em sede IRS, e o empresário recebe o que tem a receber do clube, acrescenta o IVA e declara esse valor em sede de IRC. Que é o que faz sentido, porque a negociação dos empresários para celebração de novos contratos é feita com os clubes, não é com os jogadores.»

Fonte: Mais Futebol

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