Infelizmente, a poliomielite faz parte da nossa história! Desde cedo, quando apenas almejávamos sair a correr, saltar, dançar e brincar à vontade como qualquer outra criança da nossa idade na vizinhança, e agora, como adultos que a cada dia superamos um novo desafio para nos ajustar às sequelas da síndrome pós-poliomielite e outras mudanças impostas pela doença.” disse Fárida Gulamo, vítima de pólio e Presidente da Associação de Deficientes Moçambicanos (ADEMO) durante as gravações para a campanha de comunicação digital “Rostos da pólio”, disseminada através das redes sociais do Ministério da Saúde e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).
Tendo contraído a doença com apenas 5 anos de idade, não tendo acesso à vacina nessa altura, Fárida enfrentou várias dificuldades resultantes da doença ao longo da vida: “Foram constantes desafios até hoje. Cada dia da minha vida é um desafio, mas aprendi a dar a volta por cima”. Por este motivo, Farida compreende a importância de usar a sua voz na luta contra a pólio, para “evitar que outras pessoas passem pelo mesmo sofrimento”, segundo as suas palavras.
Esta conversa decorreu enquanto também se realizava a formação de 20 activistas da ADEMO que mais adiante integraram as equipas de vacinação, durante a 9ª ronda da campanha de vacinação oral contra a pólio, em Maputo Cidade. A Farida e os activistas da ADEMO mostram-se entusiasmados com a oportunidade de poder participar nas actividades de resposta a pólio e usar as suas histórias de vida para “cativar outras pessoas e incentivar a colaboração das comunidades, principalmente dos pais e cuidadores que decidem pela vacinação dos seus filhos”.
A aceitação da vacina é alta em Moçambique, mas são reportados alguns desafios em alcançar algumas crianças.
Segundo os dados de monitoria independente das campanhas de vacinação realizadas, a aceitação da vacina oral contra a pólio é alta em Moçambique e, as recusas não constituem as principais razões de não vacinação. No entanto, existem algumas zonas de difícil acesso às crianças, como no caso de Maputo Cidade, em que foram reportadas dificuldades de vacinação de crianças de familias de classe média-alta e elites, residentes nas zonas urbanas, concretamente, nos prédios, residências privadas e escolas internacionais.
De acordo com a Farida, é necessário falar sobre a pólio e mostrar às comunidades que isto é um problema: “Quando tens pólio, a vida fica completamente transformada e é preciso uma grande força de vontade para lutar e readaptar”. Antes da importação do poliovírus selvagem tipo 1 (PVS1) para Moçambique, na província de Tete, no início de 2022, o país não tinha ouvido falar de um caso de infecção por poliovírus selvagem, há trinta anos. Isto chamou a atenção de que a população precisa manter-se vigilante. Por sua vez, as campanhas de vacinação constituem uma oportunidade para a protecção das crianças contra a pólio e a garantia de um futuro livre desta doença, cujos impactos são para a vida. Como resultado, nenhum novo caso de poliovírus selvagem foi reportado desde agosto de 2022.
“Tive pólio muito cedo e isto tornou a minha infância muito desafiante. Olhava para mim mesma e via que era diferente. Era necessário lembrar a mim mesma de que também era criança, que tinha o direito de brincar e a divertir-me como qualquer outra criança”- contou a Fárida. Ela acrescentou que fica triste em saber que, mesmo tendo as vacinas disponíveis e de forma gratuita, muitas crianças são privadas do seu acesso.
A Fárida Gulamo partilhou que ainda continua a aprender sobre a doença, visto que, com o passar dos anos, ela ainda experimenta mudanças no seu corpo. Com uma voz firme e cativante, durante as gravações da campanha “Rostos da pólio”, a Fárida lembrou emocionada que durante a sua infância contou com muito apoio e amor por parte dos pais e irmãos e que todos sempre lutaram para vencer a sua deficiência e tinham a esperança de um dia poder vê-la a andar outra vez. Segundo ela, na altura não havia muita informação sobre a pólio, como os pais têm a oportunidade de ter hoje e isto reforça o seu compromisso em ser porta-voz da luta contra a pólio, ao mostrar os benefícios da vacinação.
A Ana Tamele, membro da ADEMO, que também representou um dos rostos da pólio na campanha de comunicação para promoção da vacinação na ronda 9 (campanha nacional de vacinação contra a pólio) partilhou as mesmas opiniões que a Fárida e contou que apanhou pólio aos dois anos de idade. Os seus olhos brilharam de emoção ao lembrar que tinha “nascido uma criança forte e saudável”.
Informação é fundamental para desenvolver o senso de vigilância comunitária
Num relato emotivo, a Ana partilhou que os seus pais notaram que algo se passava quando aos dois anos de idade ela levantava e caía constantemente, mostrando não ter força nas pernas. Ao perceberem que os tratamentos tradicionais não faziam efeito, os pais levaram-na ao hospital, mas, “ já era tarde demais porque os músculos já estavam atrofiados.” A Ana compreende a importância de partilhar a sua história de vida, para salvar crianças que possam apresentar os mesmos sintomas. O seu apelo foi para a necessidade de “sensibilizar a todos os pais, cuidadores e outras pessoas nas comunidades sobre a doença e as formas como se manifesta, para que possam agir rapidamente e ir a uma unidade sanitária, imediatamente, aos primeiros sinais suspeitos de paralisia”. O apelo da Ana está alinhado às estratégias prioritárias para a erradicação da pólio, uma vez que promove a vigilância comunitária e a busca activa de casos suspeitos, maximizando a detecção, notificação e controlo dos casos em tempo oportuno.
“Na altura não era fácil ter uma cadeira de rodas e nós não tínhamos condições para isso. Ainda assim, concluí o ensino primário a gatinhar. Percorria 15km debaixo de chuva, sol e ventanias, mas tinha força de vontade.” – acrescentou a Ana. A força de vontade que a Ana teve em criança ao concluir os seus estudos e lutar por uma vida melhor, procurando superar a deficiência, é a mesma força de vontade que mostra hoje ao querer contribuir positivamente na luta contra a pólio, no país que a viu nascer.
No seu depoimento, a Ana reforçou ainda o apelo aos demais membros da ADEMO e mobilizadores sociais para passarem a palavra e na sua caminhada pela comunidade incentivar a vacinação de todas as crianças menores de 15 anos de idade, como forma de prevenção contra a pólio. A Ana se reconhece como “um agente de mudança” e valoriza o poder do conhecimento como um meio para transformar a vida das pessoas, principalmente das crianças que têm um mundo pela frente. Segundo ela, “muitas crianças com deficiência são escondidas em casa e são privadas do acesso a cuidados de saúde e principalmente de uma vida social que envolve educação, etc. É por isso que a ADEMO aposta em activistas como esta que promove a saúde, educação e formação.
Alinhada às mensagens da campanha, ela reforçou a necessidade de explicar aos pais durante a pré-campanha que “se souberem que não vão estar em casa ou se os vacinadores não passarem na sua zona durante os dias estabelecidos para a vacinação, não fiquem à espera”, ou seja, os mesmos poderiam dirigir-se à uma unidade sanitária mais próxima para vacinar a sua criança e protegê-la contra a pólio.
Sobre a campanha de comunicação digital “rostos da pólio”
A campanha “Rostos da pólio” surgiu na nona ronda da campanha nacional de vacinação oral contra a pólio, em Moçambique para dar resposta aos questionamentos dos pais e cuidadores sobre as múltiplas doses de vacina. Incluindo depoimentos de pessoas afectadas pela pólio, como a Fárida Gulamo e a Ana, esta iniciativa constituiu mais uma ferramenta de mobilização social e comunicação para criar a demanda para a vacinação de crianças menores de 15 anos de idade, durante a campanha nacional de vacinação contra a pólio, realizada em Setembro de 2023. Com esta campanha foi possível trazer em primeira voz, experiências e opiniões sobre a pólio, com o objectivo de aumentar a consciência sobre a doença e encorajar os pais e cuidadores a vacinarem as suas crianças durante a campanha de vacinação, particularmente nas zonas urbanas, onde as equipas experimentavam dificuldades de acesso às crianças, nas vivendas, prédios ou escolas internacionais.
A campanha “Rostos da pólio” procura dar esperança a quem é vítima da pólio, mostrando que apesar das condicionantes da doença, dos desafios diários e do preconceito existente na sociedade, muitas são as histórias de perseverança e superação, mas, acima de tudo, procura mostrar a importância da vacinação para a prevenção da doença, cujos danos podem ser irreversíveis. Nenhuma criança deve sofrer por causa de uma doença que pode ser prevenida.
Resposta a pólio em Moçambique
Até à data, Moçambique registou 41 casos de poliomielite desde a declaração do surto em 2022. Sob a liderança do Ministério da Saúde e em colaboração com os parceiros da GPEI (Iniciativa Global de Erradicação da Pólio), Moçambique implementou nove rondas de campanhas de vacinação contra a poliomielite.
Como membro da Iniciativa Global de Erradicação da Pólio (OMS, UNICEF, Rotary, CDC, Fundação Bill e Melinda Gates, GAVI), o UNICEF apoia o Governo de Moçambique na implementação da resposta de emergência à poliomielite, fornecendo apoio técnico e financeiro para os pilares da mobilização social e gestão de vacinas.
Desde o início da resposta, o UNICEF tem apoiado a distribuição de mais de 88 milhões de doses de vacinas orais contra a poliomielite. Na última ronda nacional de vacinação, 23 milhões de crianças, com menos de 15 anos, foram vacinadas com sucesso contra a poliomielite.
No âmbito da mobilização social, os dados de monitoria independente reportaram consistentemente mais de 90% dos pais com informações durante as campanhas realizadas, reafirmando os benefícios da abordagem multicanal para o alcance das audiências.
Fonte: UNICEF