Cabo Delgado corre o risco de conviver com o terrorismo para sempre e tornar-se zona de violencia extrema, caso se continue a considerar-se normal a situação de segurança e a desvalorizar as mortes que não param de ocorrer na província.
O alerta é do Bispo de Pemba que está preocupado com a forma como as autoridades moçambicanas e uma parte do mundo têm estado a tratar o assunto do terrorismo em Cabo Delgado, uma província em conflito armando há quase sete anos
“Há um certo tipo de discurso crescente que pode trazer uma atitude de comodismo da nossa parte quando se diz que a situação em Cabo Delgado está controlada ou vamos controlar. Isso me preocupa porque não podemos domesticar uma situação de violência. Nós temos a nossa história, nossa cultura e nossas conquistas, e não podemos dizer que o terrorismo não acaba e o que devemos fazer é apenas controlar. Esse tipo de discurso não nos mobiliza para a busca de novos caminhos para ultrapassar as dificuldades. Pelo contrário, pode-nos levar a ficar cómodos e passarmos a conviver com esta situação”, explicou Dom Juliasse.
Outra situação que preocupa o Bispo de Pemba está relacionada com a minimização do fenómeno terrorismo, que supostamente é tido como um problema apenas da província de Cabo Delgado.
“Quando falam da guerra, dizem que é Cabo Delgado. Afinal, Cabo Delgado onde é? Moçambique precisa de entender que a unidade nacional significa que o problema que afecta uma parte do país é problema de todo o país”, criticou o Bispo de Pemba.
Além da suposta tendência de normalização do terrorismo que alegadamente é considerado como uma situação particular de Cabo Delgado, o Bispo de Pemba está chocado com a constante violação dos direitos humanos na província, onde quase diariamente são registadas mortes de pessoas consideradas inocentes.
“As pessoas continuam a morrer em Cabo Delgado. Se não morre a população, morrem os militares. Algumas pessoas não sentem a dor quando escutam que morreram cinco militares, mas esses militares são filhos de uma família e são moçambicanos como eu e como outros. Se morrem também os insurgentes, alguns podem não sentir por serem insurgentes ou causadores do mal, mas são seres humanos e são moçambicanos. A guerra provoca morte e destruição e não podemos ficar contentes com isso”, lamentou Dom Juliasse.
Uma outra preocupação do Bispo de Pemba está relacionada com a crise humanitária, que tem estado a obrigar alguns deslocados a regressar às suas zonas de origem apesar da existência de focos de ataques terroristas.
Segundo contou Dom Juliasse, ninguém pode viver como deslocado durante quatro, cinco a sete anos. O próprio povo entendeu que não pode viver como deslocado por muito tempo e alguns optaram por voltar à proveniência e conviver com o risco.
Com o terror, a crise humanitária e o suposto conformismo ou aparente rendição por parte da autoridades moçambicanas e de parceiros internacionais que apesar da continuidade das mortes e destruições consideram Cabo Delgado de uma zona segura, o bispo de Pemba prevê que além do prolongamento dos ataques terroristas, a província venha a registar num futuro próximo, o aumento da violência extrema
“O que mais me preocupa como bispo desta diocese é que esta situação venha a tornar-se num sistema crónico de violência e com picos de ataques”, alertou Dom Juliasse.
Desde que iniciaram os ataques terroristas em Cabo Delgado, a 05 de Outubro de 2017, já foram confirmados cerca de quatro mil mortos e mais de um milhão de deslocados.
Fonte:O País