Protecção contra violência, exploração, abuso, negligência e práticas nocivas

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Proteger as crianças e adolescentes da violência, tanto em contextos humanitários como de desenvolvimento, é uma importante prioridade partilhada pelo UNICEF e pelo Governo de Moçambique.

As crises humanitárias, incluindo os conflitos e as catástrofes relacionadas com o clima, colocam as crianças em risco acrescido de todas as formas de violência. Os riscos incluem sofrimento emocional e psicossocial, separação das famílias ou de quem cuida delas, rapto, assassinato ou mutilação, recrutamento e uso por grupos armados, e violência sexual. O UNICEF está a trabalhar em estreita colaboração com o Governo de Moçambique para garantir que as crianças, particularmente as crianças tornadas vulneráveis por crises humanitárias, emergências e deslocações, sejam protegidas e mantidas a salvo de danos em todas as situações.

Para garantir a protecção das crianças e adolescentes em todas as situações, o UNICEF apoia o Governo de Moçambique no fortalecimento dos sistemas de protecção da criança, incluindo a concepção, desenvolvimento e operacionalização de um sistema nacional de gestão de casos, e a melhoria do sistema de justiça do país que seja adaptada às crianças. O UNICEF Moçambique trabalha também directamente com rapazes, raparigas, adolescentes e suas famílias para prover orientação e apoio e promover o seu envolvimento activo na criação de um ambiente protector, enquanto constrói resiliência e promove o abandono progressivo de práticas prejudiciais.

 

  • Violência contra raparigas, rapazes e mulheres: Em 2019, 1 em cada 7 mulheres (14,3 por cento) e 1 em cada 12 homens (8,4 por cento) reportaram ter sofrido violência sexual antes dos 18 anos. Cerca de 1 em cada 4 raparigas (23,9%) e mais de 1 em cada 3 rapazes (34,1%) reportaram ter sofrido violência física antes dos 18 anos. 
  • Falta de registo de nascimento e de identidade legal: Em 2017, a cobertura nacional do registo de nascimento de crianças com menos de 5 anos era de 49% e a de crianças com menos de 1 ano era de 33%. 70 por cento das crianças nasceram em hospitais. 
  • Falta de cuidados alternativos: A falta de um programa formal de cuidados alternativos ou de um sistema de cuidados alternativos baseado na família significa que os cuidados residenciais se tornam a opção predominante. Graças aos esforços do Governo, com o apoio do UNICEF, o número de crianças em acolhimento residencial diminuiu para 3.381 crianças , mas são necessários esforços adicionais para reduzir ainda mais este número.
  • União Prematura: Moçambique tem uma das mais altas taxas de uniões prematuras do mundo. Mais da metade (53%) das mulheres com idades entre os 20 e os 24 anos casaram antes dos 18 anos. Em Moçambique, 4,4 milhões de raparigas casaram-se antes dos 18 anos e a maioria das raparigas entre os 15 e os 17 anos que são casadas também não frequentam a escola. 
  • Acesso à justiça: Em 2018, as crianças e os jovens (com idades compreendidas entre os 16 e os 21 anos) representavam 16% do total da população prisional – 2 934 dos 17 908 reclusos – o que representa um aumento em relação a 2017. Durante este período, o número de raparigas encarceradas também aumentou, de 87 em 2017 para 151 em 2018. Neste contexto, é necessário reforçar ainda mais a capacidade em matéria de direitos da criança e protecção da criança em todo o sistema judicial, incluindo entre advogados e juízes.
  • Riscos de protecção em contextos humanitários: As catástrofes relacionadas com o clima deixaram 1,3 milhões de crianças a necessitar urgentemente de assistência humanitária, incluindo pelo menos 20 000 crianças que necessitam de apoio psicossocial. O encerramento de escolas devido a pandemias afectou 8,5 milhões de alunos.
  • Crianças afectadas por conflitos armados: O conflito armado deixou 779.000 crianças a necessitar de serviços de protecção humanitária; mais de 1.900 crianças estão desacompanhadas ou separadas das suas famílias e 117.000 necessitam de apoio psicossocial especializado. As crianças continuam em risco de rapto, recrutamento e utilização em grupos armados, tráfico e novas deslocações devido a ataques.
 

Diversão com um objectivo – apoio psicossocial através da brincadeira

O campo de reassentamento de deslocados internos Eduardo Mondlane em Mueda, província de Cabo Delgado, alberga 12.235 pessoas. “É muita gente para gerir”, diz o líder do campo, Daniel Nambalema. A maioria das pessoas vive no campo há dois anos e os desafios abundam, com pessoas a dormir no chão e sem comida ou água suficientes, e as crianças são particularmente afectadas.”

Desde 2022, o UNICEF estabeleceu uma parceria com a Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade (FDC) para implementar actividades de protecção da criança no campo de reassentamento, visando fortalecer o sistema de protecção da criança, sensibilizar a comunidade, apoiar os pais a cuidar dos seus filhos e encaminhar casos de violência e maus-tratos”, explica Hector Motatano, Oficial de Protecção da Criança do UNICEF em Pemba.  “É dada especial atenção aos menores não acompanhados que vivem sozinhos, em situação de carência, e em risco de violência, abuso sexual e trabalho infantil.”

Para além das necessidades materiais, as crianças deslocadas precisam de apoio psicossocial e de um espaço seguro e amigável para as crianças. “Não é fácil prestar apoio psicossocial. Por isso, oferecemos diferentes níveis de intervenção”, explica Denilson Ticongolo, gestor de projectos da FDC. Os assistentes sociais da organização identificam as crianças necessitadas, avaliam o tipo de apoio de que necessitam e encaminham-nas para os provedores de serviços.

Mas a FDC também adopta uma abordagem prática e criativa ao apoio psicossocial às crianças. Contratou uma equipa de facilitadores do campo e da comunidade de acolhimento para envolver as crianças em actividades e brincadeiras. Todos os dias, a equipa aparece com camisas vermelhas e sorrisos brilhantes para realizar actividades de reacção para as crianças, incluindo futebol e actividades educativas e de comunicação. Isto dá às crianças um espaço e um tempo que lhes são próprios, algo que faz muita falta no campo. 

“Antes dos ataques, as crianças tinham espaço para brincar, para aprender, para se divertirem. Agora estamos a tentar criar apoio psicossocial através da brincadeira”, explica Ticongolo. “O lugar amigável para as crianças é um lugar feliz. Quando as crianças vêm brincar, ligam-se umas às outras. Quando estão envolvidas em actividades, esquecem o que aconteceu e podem voltar a ser crianças”, diz ele.

O Governo de Moçambique reconheceu as uniões prematuras como uma prioridade para o desenvolvimento através da promulgação da lei de 2019 contra as uniões prematuras e da avaliação da primeira Estratégia Nacional para Prevenir e Acabar com as Uniões Prematuras. O UNICEF está a apoiar o Governo a estabelecer metas claras para alcançar o ODS 5 sobre a Igualdade de Género e a alocar recursos suficientes a nível distrital para prevenir e reduzir a prevalência das uniões prematuras.

Necessidade urgente de proteger as crianças nos conflitos

O conflito no norte de Moçambique está a resultar numa crise de protecção, com relatos de raptos de crianças que se presume estarem ligados ao recrutamento e utilização de crianças por grupos armados não-estatais, e de violência sexual contra crianças, com particular impacto nas raparigas.

As Nações Unidas utilizam uma abordagem multissectorial para apoiar as crianças afectadas por conflitos armados e trabalham com parceiros em Cabo Delgado e Nampula para aumentar a capacidade da comunidade de compreender, monitorar e reportar as seis graves violações dos direitos das crianças identificadas pelo Conselho de Segurança da ONU: morte e mutilação de crianças; recrutamento ou utilização de crianças em forças armadas e grupos armados; ataques a escolas ou hospitais; violação ou outras formas de violência sexual grave; rapto de crianças; e negação de acesso humanitário às crianças.

O UNICEF está a reforçar a prestação de serviços e as opções de cuidados alternativos informais em situações de emergência e a ajudar a evitar que as crianças sejam utilizadas ou recrutadas por grupos armados não estatais. O UNICEF está a trabalhar com o sistema judicial para garantir que as políticas e as leis estão em vigor para tratar as crianças como vítimas. O UNICEF está a integrar os programas de protecção da criança com outros sectores.

 

Compromissos Fundamentais para as crianças na Acção Humanitária (CCCs)

Os CCC constituem a política e o enquadramento fundamentais do UNICEF para a acção humanitária. Promovem a igualdade, a transparência, a responsabilidade e uma abordagem orientada para os resultados, visando permitir uma acção humanitária colectiva previsível e atempada.

Os CCC baseiam-se em normas e padrões mundiais para a acção humanitária, em especial a Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC) e os seus Protocolos Facultativos. Aplicam-se a todos os países e territórios, em todos os contextos, e a todas as crianças afectadas por crises humanitárias.

Contribuem igualmente para os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e incluem estratégias explícitas para ligar a acção humanitária e a acção de desenvolvimento, reforçar as capacidades e os sistemas locais e criar resiliência em todas as fases da acção humanitária.

A experiência do UNICEF mostra que as situações de emergência requerem respostas abrangentes que protejam as crianças quando estas atravessam crises complexas e multidimensionais.

Com o objectivo de reforçar a sua resposta em Cabo Delgado, que tem vivido em situação de conflito e insegurança, o UNICEF abriu um novo escritório em Pemba, a capital da província. Uma parte importante do programa de protecção da criança do UNICEF em Pemba é a Linha Fala Criança (LFC). É a única linha gratuita de apoio à criança no país, acessível através do número 116, facilmente memorizável, que se tornou padrão para todas as linhas de apoio à criança em África.

Os sete conselheiros treinados da LFC respondem a centenas de chamadas diárias em português, makua, mwani, makonde e kiswahili, atraves do atendimento telefónico por turnos. Quando a LFC foi lançada pela primeira vez, os relatos de uniões prematuras aumentaram uns impressionantes 700 por cento. 

“Atendemos uma média de 400 chamadas por dia, com 15 a 20 casos de abuso e violência. Os casos mais comuns são uniões prematuras, violência sexual e abuso físico”, diz Calisto Alexandre Guambe, coordenador do programa LFC. Metade das chamadas são de crianças com idades compreendidas entre os 10 e os 16 anos.

O UNICEF forma conselheiros da LFC para receberem, encaminharem e acompanharem os casos até ao seu encerramento, trabalhando em estreita colaboração com o governo, a polícia, os hospitais e os centros de saúde, dependendo do caso. “Se uma criança denuncia um abuso sexual, por exemplo, primeiro encaminhamo-la para unidades policiais e unidades de saúde com formação e depois fazemos o acompanhamento”, diz ele. É importante referir que a LFC trabalha em estreita coordenação com agentes comunitários de proximidade e conselheiros formados.

“Nos centros de reassentamento, os direitos das crianças estão ameaçados. Têm de fazer fila para a comida juntamente com os adultos e, por vezes, têm de lutar pela comida”, diz Arnaldo Portugal, supervisor do centro LFC em Pemba. Algumas crianças estão sozinhas, separadas das suas famílias. Nalguns casos, os pais já morreram. Portugal diz que têm recebido histórias de crianças deslocadas que são forçadas a fazer sexo ou a trabalhar nas ruas. “Temos de aumentar a protecção das crianças.”

Arusina Dade, 34 anos, é uma Assistente Social que vai de porta em porta na comunidade para sensibilizar sobre a violência doméstica, a violência contra as crianças e todas as questões que afectam os direitos das crianças. “Este trabalho é muito importante. A maioria das famílias aqui nem sequer sabe que as crianças têm direitos”. Esta situação está a começar a mudar graças à LFC.

Um dos casos tratados pela LFC foi o de uma menina de 7 anos que foi abusada sexualmente pelo primo, de 17 anos, que trabalhava em sua casa. Os pais não quiseram denunciar o caso. Em vez disso, amarraram-no e bateram-lhe, mas a LFC aconselhou a família a denunciar o caso à polícia. “Seguir os procedimentos é importante para que a comunidade ganhe mais confiança no nosso processo”, explica Arusina, que foi ela própria vítima de abuso e que encontrou a sua voz para ajudar as mulheres e crianças da sua comunidade graças à LFC.

  • Reforçar os sistemas de protecção da criança: Para prestar serviços de qualidade, é necessário reforçar os sistemas de protecção da criança. Para tal, será necessário dar prioridade aos sistemas de segurança social e de justiça e concentrar-se no reforço das ligações com outros sectores essenciais para obter resultados positivos em matéria de protecção da criança, nomeadamente os sectores da educação, da saúde e da protecção social.
  • Promover normas sociais positivas e mudanças de comportamento equitativas de género: As estratégias de prevenção devem abordar as práticas nocivas e a desigualdade de género através de acções transformadoras que envolvam crianças, adolescentes, pais, famílias, líderes de opinião e provedores de serviços na promoção de comportamentos e normas de protecção.
  • Programação do nexo humanitário-desenvolvimento informada sobre os riscos: É necessário criar interfaces fortes entre os programas de emergência e de desenvolvimento e aumentar a resposta humanitária, nomeadamente através do reforço dos sistemas e da resiliência das comunidades.
  • Melhorar a disponibilidade de dados e evidências de qualidade: O investimento na recolha, análise e utilização de dados desagregados por sexo, idade e deficiência é fundamental para informar uma resposta eficaz e orientar a advocacia.
  • Envolver e empoderar as crianças, adolescentes, famílias e comunidades: Devem ser envidados esforços para apoiar a participação e a liderança de crianças e adolescentes e para promover o crescimento e o envolvimento de redes de jovens, incluindo crianças e adolescentes com deficiência, populações deslocadas e minorias étnicas, fomentando um movimento social que defenda a igualdade e a mudança social.
  • Parceria e envolvimento multissectoriais: A protecção da criança é uma questão intersectorial que exige o envolvimento e a colaboração entre um vasto espectro de ministérios governamentais, agências das Nações Unidas, ONGs parceiras locais e internacionais, líderes comunitários e religiosos, crianças, adolescentes e suas famílias.

Em 2009, Moçambique aprovou uma lei (19/209) contra a violência doméstica que protege as crianças e as pessoas vulneráveis. No mesmo ano, foi também criado um gabinete específico na esquadra do distrito de Monapo para assistir as famílias e as menores vítimas de violência: o Gabinete de Atendimento a Família e Menores Vítimas de Violência (GAFMVV).

Sete agentes da polícia receberam formação específica para prestar apoio a crianças e abordar a violência baseada no género, e um total de 15 pessoas de diferentes departamentos da polícia receberam formação em vários aspectos da abordagem da violência doméstica e baseada no género, da sensibilização das comunidades e do tratamento destes crimes, incluindo através de encaminhamento e processamento.

“É importante ter formação específica para a polícia. Se compreendermos as questões específicas relacionadas com a violência de género, por exemplo, poderemos intervir melhor na comunidade para proteger as pessoas que são vítimas de violência”, explica Bordaina Gonçalves, chefe do GAFMVV.

A nova lei exigiu uma mudança de mentalidade e de educação da comunidade para desnormalizar a violência doméstica e as práticas nocivas e para as reenquadrar como actos criminosos, puníveis por lei. Gonçalves explica que falam com a comunidade em todo o lado – nas ruas, nas escolas, nos mercados, nos hospitais e até mesmo na estrada, de mota, trabalhando para explicar a violência doméstica e os direitos das crianças e encorajar a denúncia. 

Manuel Calisto, Chefe de Operações do GAFMVV, diz que o gabinete fez realmente a diferença na comunidade. “Antes, era normal os maridos baterem nas mulheres… com a nova lei e a sensibilização da polícia, podemos ver mudanças reais”. É importante notar que as pessoas estão a denunciar as uniões prematuras. “Se uma comunidade está a denunciar, isso significa que as nossas mensagens estão a ser transmitidas… Há dez anos, tínhamos tantos casos de uniões prematuras que nem conseguíamos contar. Agora quase não vemos casos. No ano passado, tivemos três”, diz Calisto. Mas mesmo três é demasiado. O UNICEF e os seus parceiros têm como objetivo não ter nenhum.

Com o apoio dos parceiros, o UNICEF trabalha para assegurar que as crianças e adolescentes em todas as situações sejam melhor protegidas. O UNICEF apoia o Governo de Moçambique a fortalecer os sistemas de protecção da criança, incluindo através do apoio a tribunais especializados para crianças, capacitação de profissionais da justiça e introdução de alternativas à detenção de crianças.

  • Apoiar a criação de um ambiente favorável através da melhoria dos dados, das evidências, das políticas e dos programas e do aumento do financiamento público.
  • Reforço dos sistemas de proteção da criança, incorporando serviços de proteção da criança, reforço das capacidades da força de trabalho social e promoção de abordagens de justiça amigáveis para crianças e vítimas de violência, abuso e exploração.
  • Prevenção primária da violência contra as crianças e da violência baseada no género através do desenvolvimento de conhecimentos e da sensibilização e da promoção do envolvimento de crianças, adolescentes, famílias e comunidades.
  • Prevenção e resposta a problemas de protecção das crianças em contextos humanitários, incluindo medidas que fazem parte da agenda sobre crianças afectadas por conflitos armados.

 

Fonte: UNICEF

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