Esta reflexão foi despoletada por ocasião da “Semana Mundial do Investir”, entre 07 e 13 de Outubro, uma iniciativa global promovida pela Organização Internacional de Valores Mobiliários (IOSCO), cujo objectivo é consciencializar o público para a importância da educação financeira e da protecção dos investidores como pilares essenciais para o desenvolvimento económico sustentável. Para a edição de 2024, os temas centrais foram tecnologia e finanças digitais e finanças sustentáveis.
Poupança é a parcela de renda que não é gasta ou consumida no período em que é recebida e, por consequência, é guardada para ser utilizada num momento futuro. O conceito de poupança está intrinsecamente relacionado com a redução de despesas, o uso criterioso de recursos e o sacrifício do consumo actual pelo consumo a afectuar no futuro ou em investimentos a fazer.
Algumas questões antigas, mas que continuam actuais no tocante ao desenvolvimento económico são: Como garantir um fluxo de investimento no longo prazo sem poupanças significativas ao nível do país? Pode-se ter crescimento e desenvolvimento económico robusto, inclusivo e crescente sem adequada capacidade de poupança e investimento doméstico? O tão almejado desenvolvimento económico endógeno pode ser alcançado sem que existam hábitos permanentes de poupança e o seu investimento produtivo, ou não é necessário que o desenvolvimento seja endógeno?
Num mundo crescentemente global, aberto e digital, caracterizado maioritariamente pela livre circulação de pessoas, bens e capitais, e pelo acesso fácil, imediato e generalizado a informação, factores estes que fazem aumentar a competição pela mobilização e captação de recursos, países onde existem maiores taxas de poupança tendem a obter uma considerável vantagem em termos de perspectivas de crescimento económico sustentável e desenvolvimento social face aos demais.
A capacidade de uma nação em gerar poupança, e, consequentemente, em disponibilizar capitais para a realização de investimentos, proporciona a existência de um tecido empresarial robusto e dinâmico, capaz de gerar emprego e riqueza, maior rendimento por parte das famílias, e uma maior capacidade do Estado em desenvolver infraestruturas e prover serviços públicos de qualidade, ao mesmo tempo que mantém as contas públicas equilibradas.
Por outro lado, países com altas taxas de poupança resistem melhor em caso de recessão económica, traduzido numa menor necessidade de recurso ao crédito, e menor exposição a taxas de juro elevadas. Neste contexto, a taxa de poupança constitui-se não só como a mola real de crescimento da economia em cenários favoráveis, como uma importante almofada em tempos de crise financeira e recessão económica. Na verdade, países que registam tradicionalmente melhor desempenho a nível de poupança das famílias, empresas e Estados recuperaram mais rapidamente da recessão.
Vários factores estruturais condicionam, contudo, nos países designados de subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento, como é o caso de Moçambique, a obtenção dos níveis de poupança necessários à alavancagem de investimento, comprometendo a estabilidade financeira subjacente à disponibilidade e mobilização de capital.
Entre estes, destacam-se factores demográficos num contexto de baixos rendimentos, em que predominam a existência de famílias numerosas cujas necessidades de consumo em bens essenciais não permite, dado o baixo rendimento disponível, a formação de poupanças, o que, aliado à fraca educação e consciencialização em matéria financeira, não proporciona um ambiente propício ao desenvolvimento de uma cultura de poupança.
Do lado da oferta, tende a existir nestes países um acesso limitado a produtos financeiros, condicionando as possibilidades de escolha, em contextos macroeconómicos já de si muitas vezes desfavoráveis devido a elevadas taxas de inflação num cenário global de taxas de juro que tendem a baixar. A garantia de estabilidade política e de boa governança são, também, factores conducentes de poupança e investimento.
Neste sentido, estão a ser implementadas estratégias e programas que promovam a educação financeira, o acesso a serviços financeiros, o uso das tecnologias para promoção da inclusão financeira e a estabilidade económica, de forma a criar um ambiente que incentive o desenvolvimento de hábitos de poupança permanentes e o seu investimento produtivo.
Neste âmbito, um trabalho de relevo tem estado a ser levado a cabo sob coordenação do Banco de Moçambique, e envolvendo a Bolsa de Valores de Moçambique (BVM), o Instituto de Supervisão de Seguros de Moçambique (ISSM) e outras instituições financeiras, visando a promoção da educação financeira, onde são levadas a cabo diversas acções educativas e informativas direcionada para os estudantes (crianças, adolescentes, jovens) e outros grupos-alvo prioritários como os empresários e investidores, no sentido de explicar como se poupa e instruir sobre a importância da poupança e do investimento nas suas próprias vidas e para a economia do país. O papel das escolas, institutos e universidades, das associações empresariais e dos órgãos de comunicação social tem sido de crucial importância na disseminação de informação e conhecimento sobre o sistema financeiros e os seus diversos segmentos.
De igual modo, vários países africanos como, por exemplo, a África do Sul, Quénia, Uganda ou Ruanda, adoptaram políticas nacionais de incentivo à poupança (National Savings Mobilisation Strategies), que incluem medidas no domínio da fiscalidade (por exemplo, incentivos fiscais na subscrição de determinados produtos financeiros), contas de poupança com taxas de juro bonificadas para determinados segmentos da população (por exemplo, jovens e pequenos e médios empresários), e programas de educação e literacia financeira.
É bem conhecido e reconhecido o potencial económico de Moçambique em diversas áreas económicas, com realce para a agricultura, indústria transformadora, turismo, energia, infraestruturas e logística de transporte, recursos minerais e hidrocarbonetos, pescas, comércio, entre outras, o que pode permitir pavimentar uma pujante economia economia multissectorial. A capacidade de atrair investimentos, a melhoria do ambiente de negócios, os hábitos de poupança e o seu direcionamento para o investimento no sector produtivo e o acesso ao financiamento para as distintas demandas dos empresários que pretendem viabilizar os seus negócios, são parte dos desafios importantes do desenvolvimento económico do país.
Numa economia moderna orientada para o crescimento económico sustentável, o mercado de capitais tem um papel dinamizador no desenvolvimento do país, pelo impacto profundo que imprime em muitas áreas da economia, quer na mobilização de recursos, na promoção da eficiência alocativa, na melhoria da governação corporativa, quer ainda na promoção da inovação e do empreendedorismo.
A BVM tem um papel determinante no funcionamento do mercado de capitais, enquanto espaço de negociação e transacção de acções, obrigações e outros instrumentos financeiros, contribuindo assim para a mobilização de poupanças e a canalização de investimentos, questão central na captação de recursos para o financiamento dos sectores-chave da economia moçambicana, e, consequentemente, para o crescimento económico inclusivo e sustentável do país.
Moçambique é uma nação com um enorme potencial de desenvolvimento, que todos queremos ver concretizado. O desafio do desenvolvimento endógeno passa também por incrementar a poupança interna, sem a qual dificilmente teremos investimentos sustentáveis e de longo prazo. Outrossim, a globalização está trazendo novos contornos e prioridades, os conflitos geoestratégicos estão a orientar recursos para certas regiões do mundo, choques económicos, epidemiológicos e climáticos estão a tornar escassos os recursos para investimentos em países pobres e novos paradigmas de cooperação para o desenvolvimento estão reduzir os fluxos de investimento do norte para o sul global.
Sem um apoio efectivo ao empreendedorismo dos jovens e mulheres moçambicanas, nas áreas rurais e nas zonas urbanas, em que a poupança e o investimento jogam um papel basilar, a modernização da agricultura, a promoção da industrialização e a transformação estrutural da nossa economia poderá ser adiada, e muitas famílias terão mais dificuldades de contribuir activamente para garantir o seu bem-estar de forma digna e através do seu trabalho.
Nos próximos anos, teremos de fazer mais, diferente e melhor do que fizemos no passado, em termos de promoção da inclusão e da educação financeira, na expansão do uso de tecnologias na área financeira, na inovação nos produtos e serviços financeiros, na promoção da poupança e sua canalização para o investimento produtivo, estimulando aqueles cidadãos de poupam e investem as suas poupanças em projectos económicos em Moçambique.
Incrementando a taxa de poupança doméstica, investindo essas poupanças no país é uma aposta no caminho seguro para o alcance da emancipação económica de Moçambique.
Salim Cripton Valá
Presidente do Conselho de Administração da Bolsa de Valores de Moçambique
Fonte: O Económico