Grande Entrevista ALER – um percurso guiado ao sector das energias renováveis em Moçambique, numa perspectiva lusófona

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Citações

“Diria que o maior desafio – superado – da ALER foi ganhar a confiança e reconhecimento de todas as instituições moçambicanas do sector.”

 “O principal contributo da ALER em Moçambique foi apoiar a criação e fortalecimento da AMER”

 “Foi a qualidade do seu trabalho que conseguiu garantir no passado, e com certeza continuará a assegurar no futuro, o apoio de doadores e a confiança dos diferentes associados e parceiros.”

 Miquelina Menezes

Ex-Presidente da Associação Lusófona de Energias Renováveis (ALER) para o mandato 2018-2022 e actual Presidente da Mesa da Assembleia Geral da ALER para o mandato 2022-2026

“Esta visão estratégica marca uma nova era para a ALER, que expande o seu foco para além dos países lusófonos africanos e inclui a componente do clima. Estou certa de que esta abordagem permitirá elevar a ALER para outro patamar.”

 “Desde sempre que a ALER e a AMER têm uma excelente relação (…) e colaboram activamente na partilha de informação e articulação de iniciativas, do qual a RenMoz é um excelente exemplo”

 “Apesar do crescimento recente, grande parte do potencial das energias renováveis em Moçambique está por explorar (…), ou seja, ainda há muito onde investir”

 Mayra Pereira

Presidente da Associação Lusófona de Energias Renováveis (ALER) para o mandato 2022-2026

Um dos projectos icónicos que supervisionei enquanto estive à frente do FUNAE – Fundo de Energia de Moçambique, foi a publicação do Atlas de Energias Renováveis de Moçambique e a electrificação de 50 vilas solares, implementados com o apoio do Governo de Portugal. Foi através de um ex-membro do Governo de Portugal que, em 2014 numa videoconferência, conheci a Isabel Cancela de Abreu, que me falou da ideia de criar uma Associação que abrangesse os países de expressão portuguesa, na sequência da sua experiência nas Associações Portuguesa e Europeia de Energias Renováveis. Tendo-se apercebido que não havia nenhuma Associação dedicada aos países africanos lusófonos com o objetivo de partilhar experiências e projectos na área das energias renováveis, apresentou-me a ideia, que me cativou. Graças à angariação de outros múltiplos Associados de renome (como a EDP), nasceu a ALER e, em Dezembro de 2014, aquando da sua Assembleia Constitutiva, o FUNAE tornou-se um dos Associados Honorários e Fundadores da ALER, e eu fui eleita como Vice-Presidente da Direcção para o mandato 2014-2017.

Nesse 1º mandato acompanhei de perto todo o dinamismo da ALER, que conseguiu afirmar-se como um actor chave do sector das energias renováveis em Moçambique e nos restantes países lusófonos africanos. O trabalho foi também reconhecido pela angariação de novos Associados, tendo conseguido cativar todos os Ministros da energia dos países africanos lusófonos, e de contratos de financiamento com parceiros internacionais, como a União Europeia e as Nações Unidas.

Chegado o fim do 1º mandato, os Associados reunidos em Assembleia Geral elegeram, a 14 de Março de 2018, os novos membros dos Órgãos Sociais da ALER, e foi nesta ocasião que fui eleita Presidente da ALER.

O Governo de Moçambique tem envidado esforços para alcançar a electrificação universal, fazendo-o com o recurso às energias renováveis. A criação do FUNAE em 1997 tinha como objetivo encontrar alternativas, em parceria com a EDM, para o acesso à energia nas zonas rurais onde a rede eléctrica não chegava. Daí surgiu o Atlas de Energias Renováveis, que permitiu o conhecimento do potencial existente e o desenvolvimento de projectos nesta área, envolvendo também o sector privado.

Nesses primeiros anos foram dados passos muito significativos, mas os projectos eram de pequena escala e tinham um contributo diminuto para a matriz energética nacional, apesar de terem um impacto considerável a nível local. Em 2016, a taxa de electrificação situava-se nos 26%, ou seja, apenas um quarto da população tinha acesso à electricidade.

Foi a partir de 2018, com o compromisso Presidencial para a meta de 100% de acesso até 2030, através do lançamento do “Programa Nacional Energia para Todos” e da estratégia de electrificação, que as energias renováveis deram um grande salto e o sector se abriu à participação das empresas privadas.

Desde então começaram a nascer e crescer empresas privadas de Sistemas Solares Caseiros, entraram em funcionamento as primeiras centrais solares num regime de produtor independente de energia e foram lançados os primeiros concursos.

Hoje em dia, a taxa de electrificação duplicou desde 2016, situando-se nos 52%, e a geração de electricidade no país já é 62% renovável – maioritariamente de origem hídrica como é natural graças a Cahora Bassa – porém a solar já representa 1%.

A ALER soube acompanhar este crescimento do sector em Moçambique, e tem sido um parceiro fundamental nesse caminho.

Desde o início, a ALER empenhou-se em compilar informação e dar visibilidade ao sector, de forma a atrair investimentos, empresas e parceiros. Destaco a publicação do Relatório Nacional em 2016 e 2017, seguida dos Resumos de 2021, 2022 e 2023, a par da organização de conferências em 2015, 2017, 2021, 2022 e 2023.

A nível institucional, a ALER tem vindo a colaborar com o MIREME e restantes instituições públicas, divulgando o trabalho desenvolvido, oportunidades de investimento e contribuindo para a definição de um enquadramento regulatório favorável. Diria que o maior desafio – superado – da ALER foi ganhar a confiança e reconhecimento de todas as instituições moçambicanas do sector, que sempre partilharam informação e a envolveram nos processos, mesmo à distância.

Deixei para o fim aquele que me parece ser o papel fundamental da ALER, que consiste no fortalecimento e coordenação dos diferentes stakeholders do sector. O principal contributo da ALER em Moçambique foi apoiar a criação e fortalecimento da AMER – Associação Moçambicana de Energias Renováveis, ainda que tenha trabalhado com todos os actores, mapeando as várias iniciativas, promovendo a complementaridade e o valor acrescentado de cada um deles.

A ALER tem uma actuação próxima de todos os países onde tem desenvolvido várias actividades. Todos os Ministérios com a tutela de Energia dos países africanos lusófonos são Associados Honorários da ALER, garantindo, por isso, o apoio governamental em todos eles. Além disso, a Direcção da ALER integra neste momento representantes de Moçambique, Angola, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe. 

A nível regional, a ALER também tem promovido Moçambique como modelo lusófono, servindo a AMER como modelo para as outras associações nacionais. O país recebeu duas missões angolanas e enviou representantes recentemente a Luanda para a partilha da sua experiência sobre sistemas solares caseiros. E, brevemente, a ALER estará envolvida num projecto lusófono dedicado às mini-redes em que a experiência de Moçambique também será usada como referência.

Mas a actividade regional da ALER pela qual tenho um carinho especial, foi o Programa de Energia Sustentável para Mulheres (PESM), destinado a mulheres de Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, com mentoras de toda a lusofonia, no qual tive a honra de participar e que muito gostaria de ver replicado em Moçambique. Aliás, esta dimensão de género sempre esteve presente na ALER, onde as mulheres têm assumido um papel de destaque.

Depois de ter apresentado o primeiro relatório de energias renováveis, que compila toda a informação sobre o sector de energia em Moçambique, creio que é muito relevante que a ALER continue a publicar anualmente o Resumo, permitindo que haja um documento de consulta, que é atualizado ao longo do tempo. E que faça o mesmo para os restantes países lusófonos.

Acredito que poderemos sempre contar com todo o empenho da ALER para disponibilizar informação relevante, seja pelos documentos que produz, seja pelos encontros que promove. Foi a qualidade do seu trabalho que conseguiu garantir no passado, e com certeza continuará a assegurar no futuro, o apoio de doadores e a confiança dos diferentes associados e parceiros.

Após todo este período na Direcção da ALER, onde participei activamente, tornou-se imperativo promover mudanças, incluindo a entrada de novos membros de outros países na Direcção, trazendo consigo novas ideias e novas experiências. Mas fico muito contente por Moçambique continuar na Presidência, pois foi o país que sempre apoiou a ALER, e por haver mais mulheres na Direcção. A Mayra é uma excelente representante de ambos estes desígnios.

É uma grande responsabilidade assumir a Presidência da ALER depois da Miquelina Menezes, uma mulher que respeito muito e que é uma grande inspiração no sector da energia.

Desde que tomei posse em Maio de 2022, a minha Presidência tem orientado a ALER para assumir cada vez mais o seu âmbito regional, tendo como prioridade o intercâmbio entre os vários países lusófonos. Promovi também uma reflexão estratégica que concluiu que o caminho da ALER nos próximos anos passa por 4 eixos.

O primeiro, dar continuidade ao trabalho já desenvolvido em cada um dos países, em colaboração com as Associações Nacionais.

O segundo, será assumir uma dimensão cada vez mais lusófona e promover (ainda) maior colaboração e troca de experiências entre os diversos países, reforçando as áreas em que cada país se destaca e capitalizando a nossa relação com a CPLP. 

O terceiro, será começar a colaborar com o Brasil, aproveitando a experiência deste gigante lusófono.

E o quarto será juntarmo-nos ao maior desafio do século, e potenciarmos o contributo das energias renováveis para mitigação das alterações climáticas. Vejo o culminar deste mandato numa participação lusófona, coordenada pela ALER, na COP30 no final de 2025 em plena Amazónia.

Esta visão estratégica marca uma nova era para a ALER, que expande o seu foco para além dos países lusófonos africanos e inclui a componente do clima. Estou certa de que esta abordagem permitirá elevar a ALER para outro patamar.

A RenMoz2023 foi um enorme sucesso, consolidando-se como a grande conferência de energias renováveis em Moçambique. Esta terceira edição, que contou mais uma vez com o apoio do programa europeu GET.invest, reflectiu a evolução significativa do sector e o interesse que ele tem gerado, com mais de 1.000 registos e 550 participantes de 39 países diferentes.

A chave do sucesso está no conhecimento especializado do sector e excelente relacionamento institucional da ALER e da AMER, que sabem identificar os temas e atrair os actores chave que importa destacar em cada ano.

A edição de 2023 foi palco para o anúncio em primeira mão de importantes desenvolvimentos, como o lançamento de concursos, a apresentação de documentos chave do sector pelo MIREME e a divulgação de publicações técnicas como o “Resumo: Renováveis em Moçambique”. Para além disso, a RenMoz é cada vez mais uma valiosa plataforma de visibilidade e de networking para as empresas do sector. Nesta edição tivemos 12 empresas a fazerem pitchings, 17 investidores, 13 patrocinadores e, ainda, 7 stands de exposição.

Tudo isto demonstra a importância atribuída à RenMoz pelos stakeholders do sector, posicionando-a como uma referência para o fortalecimento e crescimento do sector das energias renováveis em Moçambique. Estamos já a trabalhar na edição de 2024, a ter lugar em Dezembro, num importante período pós-eleições e pós-COP, tendo em vista uma ainda maior participação e área de exposição.

Desde a sua génese em 2014, que um dos principais objectivos da ALER foi promover e apoiar a criação de Associações Nacionais de Energias Renováveis nos países africanos lusófonos. Nunca esteve previsto a ALER criar sucursais ou escritórios nacionais, mas sim garantir que os temas nacionais eram trabalhados por empresários nacionais que com eles lidam diariamente, organizados em Associações Nacionais, independentes, mas parceiras e Associadas da ALER.

O exemplo moçambicano da AMER – a primeira associação nacional de energias renováveis num país africano lusófono – tem servido de referência para o processo que está a decorrer de forma equivalente nos restantes países. O modelo de apoio para implantação de Associações Nacionais centra-se numa série de actividades de partilha de experiências, apoio operacional e de mobilização de financiamento, desenvolvida com uma contraparte nacional.

Em 2017, celebrou-se o marco histórico do nascimento da AMER. Desde sempre que a ALER e a AMER têm uma excelente relação, sendo Associadas uma da outra, e colaboram activamente na partilha de informação e articulação de iniciativas, do qual a RenMoz é um excelente exemplo. Mas agora, à medida que a AMER se consolida e ganha uma dinâmica operacional maior, ela passará a dinamizar os temas nacionais, ficando a ALER num papel de acompanhamento e apoio, focando-se em temas e actividades de âmbito regional.

Cada Associação tem objectivos, recursos e mecanismos complementares, mas diferentes, e quantos mais o sector e as empresas tiverem à sua disposição, mais sairão beneficiados. Empresas com um foco exclusivo em Moçambique serão preferencialmente Associadas da AMER. Empresas com interesse em vários países lusófonos e com ambições regionais terão maior enquadramento na ALER.

Neste momento, eu própria além de Presidente da ALER, também faço parte da Direcção da AMER, assim como um dos Vice-Presidentes da ALER é da Direcção da Associação Angolana ASAER.

A Miquelina já fez um excelente apanhado dos últimos desenvolvimentos e projectos do sector. Eu destacaria ainda o desenvolvimento do enquadramento institucional, quer ao nível regulatório, quer ao nível da cooperação, com relevo para a criação da UIPCE (Unidade Integrada de Planeamento e Coordenação da Electrificação). Este enquadramento permitirá estimular um maior papel da iniciativa privada que, a par com os programas de parceiros de cooperação, são uma importante alavanca para o sector, de forma a garantir o acesso universal e a necessária transição energética em Moçambique.

Apesar do crescimento recente, grande parte do potencial das energias renováveis em Moçambique está por explorar e 48% da população ainda não tem acesso à energia, ou seja, ainda há muito onde investir.

Os grandes projectos ligados à rede de produtores independentes são sempre os mais atractivos financeiramente, mas envolvem uma capacidade operacional e financeira apenas acessível a grandes empresas. Já os segmentos dos quais se espera um grande boom nos próximos anos, agora que finalmente têm enquadramento regulatório, são as mini-redes e o auto-consumo. Mas os sistemas solares caseiros, a cozinha limpa e a mobilidade eléctrica são segmentos de mercado que poderão representar grandes oportunidades de futuro em Moçambique, no âmbito dos compromissos nacionais e internacionais para a transição energética e tirando partido de mecanismos de financiamento climático.

Os nossos Associados contam com o nosso compromisso em identificar oportunidades de negócio e parcerias nos países lusófonos, providenciar informação privilegiada, apoiar na entrada ou consolidação em novos mercados, identificar fontes de financiamento e, ainda, para garantir a sua visibilidade e representatividade. Juntos, iremos alavancar o contributo das energias renováveis em cada um dos países lusófonos para um futuro mais limpo, mais justo e mais sustentável!

Convido todos a visitar o nosso site (www.aler-renovaveis.org), a conhecer as vantagens em serem nossos Associados e a se manterem a par das nossas actividades através das redes sociais da ALER.

Fonte: O Económico

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