Português é colega de equipa do neerlandês em corridas virtuais; Sagrou-se campeão mundial pela na Porsche SuperCup; Foi campeão nacional de karts, em juniores, mas custos levaram português a abandonar possível carreira. Não descarta um regresso ao automobilismo
Max Verstappen ficou acordado até às 4 da manhã, na noite anterior à corrida do Grande Prémio da Arábia Saudita, a ‘jogar’. Bom, não é bem jogar. São corridas virtuais (simracing), em plataformas de simulação – e não jogos – com os mesmos carros que vemos nas competições de automobilismo e que tentam ser tão próximas da realidade que se querem confundir com a mesma.
Para o tricampeão mundial de Fórmula 1, não basta dominar na vida real. Prova disso, foi o que aconteceu no fim de semana de 18 e 19 de maio. Ao mesmo tempo que conquistava a oitava pole da temporada, no Grande Prémio de Emilia Romagna, pela Red Bull, a equipa do neerlandês de simracing – a Team Redline – disputava uma prova de resistência, o 24 horas de Nurburgring (Nordschleife) virtual, em que várias parcerias de quatro pilotos se juntam para repartir essas 24 horas a conduzir.
Ou seja, depois de ser o mais rápido na qualificação, o neerlandês rumou ao hotel para… guiar mais cinco horas no simulador. No dia seguinte, antes de conquistar o GP no circuito de Imola, o colega de equipa de Max confirmava a vitória para a Redline. Também a fazer parte desse lote de vencedores estava… o português Diogo Costa Pinto, que se juntou à mesma em 2021.
«Foi uma escolha fácil. Na altura, o Max [Verstappen] estava a começar a desenvolver a equipa. Tinha bastante potencial. Se falarmos do histórico dos pilotos já era a melhor e os patrocinadores começaram a investir bastante na equipa», adiantou, que deixou ainda muitos elogios ao neerlandês.
«Está sempre muito envolvido» conta o português de 21 anos, que já se sagrou campeão mundial de Porsche Super Cup e que, ao lado do tricampeão mundial de Fórmula 1, venceu o 24 horas de Le Mans virtual.
«Treina diariamente connosco e ajuda-nos. Se calhar passa mais tempo connosco, do que a trabalhar para a Fórmula 1 [risos]. É incrível vê-lo a competir e o conhecimento que ele tem sobre como guiar, sobre a configuração dos carros e a telemetria. O nível em que ele nos consegue ajudar é muito alto. É muito bom trabalhar com ele», frisa.
«O [Max] Verstappen é a grande bandeira do simracing», conta a A BOLA Francisco Villar, antigo piloto de velocidade e ex-driver coach. «Pensa que é possível captar talento de pilotos para passar diretamente para o automobilismo sem passar pelos karts e sem ter que ter a necessidade desse investimento inicial que bloqueia a entrada a 98% das pessoas», reforça. E o próprio fala por experiência própria, uma vez que competiu na Fórmula BMW (2006) e na Euroformula Open (2007) – Fórmula 3 espanhola, por dois anos, ao serviço das equipas Team West-TEC e TEC-Auto. Porém, os elevados custos que as competições exigem, forçaram o antigo piloto a pendurar as luvas.
«Na Fórmula 3, tendo um carro muito mais técnico, já faz muito mais diferença à equipa em que estás inserido. Tens os melhores engenheiros, os melhores contactos, os melhores motores, tudo faz diferença numa competição destas. Quando tens um orçamento mais baixo e vais para um construtor não tão bom, por defeito, a não ser que tenhas uma grande sorte, tens tudo pior», detalhou.
O gosto pelas corridas, contudo, nunca abandonou a vida de Francisco, nem em casa. Se quando era criança, ia saciando a sede de guiar com um comando na mão, lenta e progressivamente este foi substituído por volantes, pedais, televisões, computadores, todos a trabalhar em sintonia para ter uma experiência o mais próxima possível da realidade… em casa. «O nível de adrenalina que eu tinha no simulador não era assim tão diferente daquele que eu tinha nas corridas».
Assim, em conjunto com mais quatro ex-pilotos nacionais, Pedro Villar, Miguel Neto, Nuno Pinto – driver coach que trabalha com Lance Stroll na Aston Martin – e Diogo Lopes, iniciou o projeto de desenvolver um Autódromo Virtual, que se tornou num armazém de cerca de 300 metros quadrados, onde se instalaram 18 simuladores de condução para que amadores e até profissionais se pudessem juntar e, simplesmente, guiar.
«A nossa ideia não foi tanto dar [plataforma para pilotos darem] o salto a nível profissional», foi antes a existência de «uma data de amadores, digamos assim, que adoram carros, que adoram automobilismo e não podem experimentar, então aquilo acaba por ser um pequeno gosto do que é o automobilismo», resumiu.
A primeira experiência que Diogo Costa Pinto teve com um simulador foi precisamente em Carnaxide, no Autódromo Virtual de Lisboa, há cerca de dez anos. «Lembro-me da pista e do carro que conduzi. Foi um DTM, em Red Bull Ring [mesmo circuito onde é disputado o Grande Prémio da Áustria. Achei aquilo brutal», revelou o português de 21 anos.
«Ao início até pensei que era melhor do que na vida real, porque se eu batesse, não havia [consequências]. Estou tranquilo em casa [risos]. É como se estivesses em casa a jogar futebol, só não sentes outras coisas: aquele glamour de estares em pista, no carro, a sentir os cheiros da gasolina e da borracha queimada. Isso, sim, não existe e nem sequer é comparável. Nunca vai ser, mas não deixa de ser espetacular. Passados alguns anos habituas-te, tal como te habituas a conduzir um carro real», descreveu.
O interesse por este mundo também teve início no seio familiar e «por volta de 2010/2011», começou a competir «mais a sério» nos karts e no campeonato nacional de Rotax. Tão a sério que se tornou campeão nacional nas duas disciplinas, pela Norma Racing Team-Tonykart Portugal/Sporting Clube de Portugal, e também em Rotax. Até que os custos financeiros colocaram fim a uma possível carreira, fator que não tem de se preocupar nos dias que correm, uma vez que todo o equipamento que necessita – volante, pedais, monitores, computador, luvas – é disponibilizado pela Team Redline, que no total ronda os oito a nove mil euros.
O desenvolvimento das plataformas de simulação e do material necessário para as corridas chegou a tal ponto que, para Diogo Costa Pinto, poucas melhorias podem ser feitas para melhorar a experiência, o que o leva a afirmar que o talento presente nos simracers é equiparado aos melhores do automobilismo. «Neste momento, os melhores pilotos da vida real sabem que os melhores simracers são bastante talentosos e, obviamente, o contrário também acontece. São duas disciplinas que estão interligadas. O método e as técnicas que são exigidas, são exatamente as mesmas», apontou.
E isso explica o detalhado plano de treinos, que muda de acordo com o tipo de prova eque estão a preparar (quase sempre em equipa). Se for uma corrida sprint, o foco está na qualificação da corrida e «isso exige treino de preparação para ter os pneus em determinada temperatura», tendo ainda «atenção à pressão dos mesmos na volta de saída das garagens», e, claro, também se pratica «muito a luta pela posição em corrida.»
Ainda assim, a tentação de regressar ao automobilismo não desaparece e o jovem natural de Arruda dos Vinhos não fecha as portas a um eventual retorno, mas, só se a proposta for «sustentável» financeiramente.
Já tive uma oportunidade, mas foi algo que não me interessou muito. Se tivesse alguma oportunidade teria de ser algo sustentável sem ter de me preocupar com recursos financeiros. Eu não posso gastar 40 ou 50 mil euros por ano para fazer meia dúzia de corridas e depois acabou. O dinheiro desaparece. Gostava muito de ter essa oportunidade, mas atualmente estou bastante satisfeito com o simulador. Estou na posição em que sempre quis estar. Faço as competições que quero, estou na equipa que quero e consigo fazer isto profissionalmente, aquilo que gosto», finaliza.
Fonte: A Bola