As economias emergentes e em desenvolvimento (EMDEs) enfrentam um cenário financeiro complexo, marcado por desafios e oportunidades que podem determinar o futuro da sua estabilidade económica e sustentabilidade. O relatório “Finance and Prosperity 2024”, do Banco Mundial, recentemente publicado, revela uma divisão significativa entre países de baixa e alta renda no que toca aos riscos financeiros, com os países de renda mais baixa sendo os mais vulneráveis a crises económicas. O estudo abrange 50 economias, responsáveis por 93% dos acivos bancários das EMDEs, e oferece uma análise detalhada dos principais riscos e das soluções necessárias para fortalecer o sector financeiro e promover o financiamento climático. Vamos por partes:
Riscos financeiros e resiliência dos bancos
De acordo com o relatório, os bancos das EMDEs têm demonstrado resiliência após o impacto da pandemia, com a maioria deles apresentando amortecedores suficientes para enfrentar choques de crédito e riscos soberanos. No entanto, as economias de baixa renda ainda são pontos frágeis, onde o aumento do crédito malparado e a reestruturação da dívida soberana podem desencadear crises bancárias. A interdependência entre bancos e dívida soberana, conhecida como “nexo soberano-bancário”, aumentou significativamente nos últimos dez anos, especialmente em países com dívidas insustentáveis. Entre 2012 e 2023, a exposição dos bancos à dívida governamental subiu 35%, representando um risco elevado de contágio financeiro que pode levar a uma crise sistêmica.
Uma perda de apenas 5% em dívida soberana poderia tornar um quinto dos bancos analisados subcapitalizados, potencialmente levando a crises bancárias em países já sobrecarregados pela dívida. Tal cenário sublinha a necessidade urgente de reformas nas EMDEs, que devem criar amortecedores mais robustos para evitar que uma crise de dívida governamental se transforme em uma crise financeira mais ampla.
Fraquezas nos mecanismos de supervisão e gestão de crises
O relatório destaca que muitos países de baixa renda não estão adequadamente preparados para enfrentar situações de stress financeiro. A fragilidade dos marcos regulatórios e supervisionais, aliada à ausência de redes de segurança financeiras eficazes, como seguros de depósitos e mecanismos de gestão de crises, coloca esses países em uma posição vulnerável.
Diante desta situação, o relatório recomenda o fortalecimento dos marcos regulatórios e a implementação de sistemas de gestão de crises que possam reduzir o impacto de eventuais choques financeiros. Entre as soluções sugeridas estão o estabelecimento de sistemas de assistência de liquidez de emergência e a criação de seguros de depósitos mais robustos, capazes de proteger os pequenos depositantes e manter a confiança no sistema bancário.
Oportunidades no financiamento climático
Paralelamente aos desafios financeiros, o financiamento climático surge como uma oportunidade crucial para as EMDEs. No entanto, apesar de representarem um quarto do PIB global, as EMDEs respondem por apenas 14% dos fluxos globais de financiamento climático, sendo a maior parte desse financiamento proveniente de fontes públicas. O sector bancário, que poderia ser uma peça-chave na mobilização de fundos para projectos verdes, tem desempenhado um papel limitado, com apenas 60% dos bancos a destinar 5% ou menos dos seus portfólios de crédito a actividades verdes.
Os riscos climáticos, como secas, inundações e outros eventos climáticos extremos, têm o potencial de impactar significativamente a actividade económica em várias EMDEs, amplificando os riscos financeiros já existentes. Os desafios são ainda mais pronunciados em países com um “nexo soberano-bancário” elevado, onde as interações adversas entre crises fiscais e riscos climáticos podem gerar ciclos de feedback negativos, agravando a instabilidade económica.
Para abordar esta questão, o relatório sugere que os governos e autoridades bancárias adoptem abordagens mais robustas de financiamento climático, como o desenvolvimento de taxonomias verdes que classifiquem investimentos sustentáveis e promovam a inovação no setor financeiro. No entanto, apenas 10% das EMDEs implementaram essas taxonomias, em comparação com 76% das economias avançadas, o que evidencia a necessidade de políticas mais ambiciosas.
Equilíbrio entre inclusão financeira e estabilidade
As autoridades bancárias nas EMDEs têm adoptado uma série de novas abordagens para mitigar os riscos financeiros relacionados com o clima, ao mesmo tempo que procuram melhorar a inclusão financeira. Entre as iniciativas em curso estão avaliações personalizadas de riscos climáticos e incentivos ao financiamento verde, como a concessão de taxas de juros mais baixas para actividades sustentáveis. No entanto, o relatório alerta que essas medidas ainda estão em fase experimental e que podem ter consequências inesperadas se não forem geridas de forma adequada.
Para o relatório, a principal prioridade deve continuar a ser a manutenção da estabilidade financeira, enquanto se promove a inclusão e o financiamento de projectos que atendam às metas climáticas. “As autoridades bancárias não devem comprometer a sua independência operacional em favor de políticas climáticas, deixando essas responsabilidades principalmente para os governos, que podem actuar por meio de políticas fiscais, como a precificação de carbono, e regulamentos baseados no mercado”. Sublinha.
O relatório “Finance and Prosperity 2024” coloca um foco importante na necessidade de as EMDEs enfrentarem os riscos financeiros com estratégias sólidas e bem coordenadas, ao mesmo tempo que aproveitam as oportunidades apresentadas pelo financiamento climático. A interdependência entre os setores bancário e governamental, exacerbada pela crescente dívida pública, requer ações urgentes para mitigar crises potenciais e proteger a estabilidade macroeconômica. Em paralelo, o desenvolvimento de taxonomias verdes e o fortalecimento de mercados de capitais para financiar tecnologias verdes são essenciais para garantir um futuro mais sustentável.
Na análise do “Finance and Prosperity 2024”, o sucesso das EMDEs em enfrentar esses desafios dependerá da implementação de políticas eficazes que equilibrem a estabilidade financeira e o desenvolvimento sustentável, e da colaboração entre governos, bancos e o setor privado para mobilizar os recursos necessários para enfrentar as mudanças climáticas.
Fonte: O Económico