Revista Tempo

O coletivo e o individual no dérbi (e a afirmação incompleta do leão)

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[imgep]

Um balão para Gyokeres é um contra-ataque letal e uma bola na ‘canhota’ de Di María vale meio golo. O processo leonino continua sólido, mas podia ter dado empate

Um dérbi é um jogo à parte, todos o sabemos. Há quem mesmo diga que um dérbi é um dérbi e vice-versa, fechando o conceito como uma serpente que engole a própria cauda pela eternidade. Ouvimo-lo desde crianças e, por mais velhos que sejamos, nunca conseguiremos encontrar qualquer prova em contrário. Mais: quanto maior a grandeza das equipas que se defrontam mais se isola o dérbi que as opõe dos demais, mesmo que nesses haja rivalidade mais profunda e tenha deixado sedimentos resistentes nas ampulhetas da História.

Os onze jogadores que estão simultaneamente em campo formam um tecido coletivo, que quanto mais coeso mais impenetrável se torna ao que o rodeia. Só que existe sempre um contexto. O futebol é muito mais do que dois conjuntos em choque frontal. São 90 longos minutos, há níveis divergentes de confiança e de qualidade de atletas e técnicos, estratégias aproximativas ou disruptivas, bolas paradas e erros inesperados, incidentes e acidentes, dias bons e menos bons – todos os intervenientes são humanos – e ainda, claro, o fator sorte.

Por norma, a equação que melhor explica um jogo é aquela que lembra que os melhores definem melhor, logo estão mais perto de marcar, e a equipa que está mais perto de marcar também o estará de vencer. Ou seja, quando se tem melhores jogadores dificilmente o tecido coletivo lhes resiste. Curiosamente, o que se passou em Alvalade, não foi a equipa que todos reconhecem como a que mais talento possui a impor-se e sim a que parece ter o seu processo mais bem definido e consolidado, mesmo que por vezes este assente muito na capacidade de explosão de uma única unidade, Gyokeres, capaz só por si só de transformar um alívio para a frente numa transição de aspeto letal.

A explicação não é tão simples assim. Os encarnados reequilibraram na última meia-hora assentes nos seus mecanismos de pressão e contrapressão, que só resultam se forem coletivos, embora tenham tido a natural ajuda da definição de Di María, que assistiu para o 2-1 e, por pouco, não empatou a partida, numa jogada anulada por fora de jogo posicional de Tengstedt. E se o Benfica tem esse reconhecimento público de reunir melhores jogadores, o que dizer dos erros não forçados que se viram um pouco por todo o campo, com passes de risco que serviram de catalisadores para inúmeros contra-ataques leoninos, e péssimas abordagens que encaminharam o jogo para perto da baliza de Trubin?

Não é claro para mim que o Benfica tenha um onze muito melhor do que o do Sporting – ao contrário do plantel, em que aí sim a profundidade é evidente – e algumas unidades estão claramente abaixo do nível exigido para o estatuto da equipa que representam. Falo de Otamendi e a falta de noção na contenção de alguém tão físico como Gyokeres, ou de Rafa, que se virava sempre com a expetativa de ter um espaço que nunca lhe iriam dar, perdendo a bola, e até da descompensação de um grupo ao nível do lateral-esquerdo, que obriga Aursnes a fazer a posição apenas de forma sofrível quando a exigência naturalmente dispara e tem um adversário focado no espaço nas suas costas.

Parece-me, portanto, redutor que se ache que este Sporting seja apenas resultado do processo coletivo – e basta comparar esta equipa agora com Gyokeres com a do ano passado que não o tinha – e que o Benfica conte apenas com individualidades.

O Benfica até entrou melhor no encontro, embora por pouco tempo. Nesse período de 10 minutos, saiu sempre de forma limpa da pressão leonina e, por outro lado, manteve os leões em alerta na sua primeira fase de construção. No entanto, bastou um primeiro esticão para as costas de Aursnes para que a partida virasse. A partir daí, o Sporting foi melhor, muitas vezes muito melhor, e esticou esse controlo até à hora de jogo. O golo de Gyokeres teve essa consequência, depois de as águias entrarem com ideias mais firmes após o intervalo.

O conjunto de Rúben Amorim falhou, no entanto, o knockout e ficará por se saber o que teria acontecido se o 2-2 tivesse sido válido, numa altura em que chegou a parecer, tal como o rival antes disso, um castelo de cartas a desmoronar-se. É um grande se, todavia o momentum tinha mudado de lado.

A entrada de Morato não resolveu os problemas defensivos, porém ajudou a que Aursnes ganhasse influência no ataque pelo lado contrário. O mesmo aconteceu com Di María na esquerda, onde não estão os seus terrenos preferidos porque daí não consegue atirar à baliza, mesmo que tenham sido esses os canais por onde desbaratou a defesa francesa na final do Campeonato do Mundo e também por ali se aproxime mais da zona de decisão. A partida começou a virar com o argentino a dar largura e a apontar os cruzamentos para o vazio entre Israel e a sua defesa. E podia ter chegado.

Coube a António Silva contrapor o posicionamento mais agressivo por parte do Benfica com uma vigilância tremenda a Gyokeres. O jovem central português escreveu um tratado sobre como conter o melhor avançado do campeonato. Um exemplo que deveria ter sido copiado e aplicado logo a começar pelo colega do lado.

Atrás, mas como menos um jogo realizado e ainda com uma receção ao Benfica na luta pelo título, o leão perdeu uma oportunidade de afirmação que o 2-1 não lhe garante. Primeiro, porque na meia-final, as águias saem vivas de Alvalade. Depois, não é resultado que pareça abalar animicamente o rival para o clássico do Dragão, no qual o Sporting também é particular interessado. E, por fim, os da Luz até podem alegar a sensação, porque é sempre a última que fica, que poderiam ter ferido o conjunto de Amorim nesta primeira mão.

Havia muito mais do que um simples jogo a disputar esta noite. Pelo domínio que teve, o Sporting falhou a totalidade da mensagem, mesmo ganhando. Já o Benfica volta a resistir, mantém-se na luta e pode agora pensar no Dragão.

Fonte: A Bola

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