Revista Tempo

É exequível reduzir os níveis de pobreza para 27% até 2043 ?

A Estratégia Nacional de Desenvolvimento (ENDE), proposta pelo Ministério da Economia e Finanças, preconiza, entre várias metas, reduzir a proporção da população que vive abaixo da linha de pobreza de 68,2% para 27,9% até o ano de 2043. Entretanto, economistas alertam haver riscos para a implementação da estratégia, para as dinâmicas do sector energético que poderão ditar os caminhos da economia nacional nos próximos anos.

O documento, que deverá ser aprovado pelo Parlamento, é um instrumento de planificação que estabelece as directrizes estratégicas para alcançar o crescimento económico e o desenvolvimento social de forma sustentável e inclusiva ao longo de um período de 20 anos.

A sua viabilidade divide opiniões de economistas, e não só, tomando em consideração os pilares e factores de riscos associados à execução de um projecto nacional que atravesse vários governos e contextos económicos.

Em relação à viabilidade do instrumento, Dereck Mulatinho considera que estas metas visam mudar o futuro de Moçambique e quebrar o período em que o país andava à deriva. O economista explica que tal visa estabelecer um horizonte, em termos de objectivos de crescimento, o que tem impacto em termos de gestão e orçamentação, e alerta que o importante é perceber como é que o Governo vai combinar um conjunto de instrumentos em sua posse para materializar essa meta.

Segundo Mulatinho, a meta de combate à pobreza é realizável, pois “se tivermos que dividir isso em 20 anos, estamos a falar de uma proporção de cerca de 20 anos, teríamos uma média de 1,5 a 2% por ano”.

Dereck, que falava ao programa O País Económico, avançou haver um factor importante que se deve trazer à mesa de debate, o facto de o Estado não ter uma política de continuidade.

“Já tivemos Agenda 2025, já tivemos o PARP e, antes destes, tivemos outras estratégias que acabaram por ser abandonadas ou foram usadas apenas algumas das orientações”, disse, para, de seguida, questionar “como o Estado vai ter os compromissos políticos para que essas metas sejam consideradas pelos próximos governos?”.

Sobre a questão, o académico diz que, ainda que existam elementos a ser corrigidos, é importante que haja continuidade, pelo que os manifestos eleitorais a serem considerados deverão estar alinhados com a Estratégia Nacional de Desenvolvimento e nenhum programa do país deveria fugir desse compromisso político que o país tem a longo prazo.

“A estratégia deveria ser transformada em lei para que haja obrigação dos governos de implementar e sancionar pela não implementação. A estratégia poderá ser um documento orientador para os outros instrumentos de governação, como o PGG e PESOE”, disse a finalizar.

 

RISCOS ASSOCIADOS À META AMBICIOSA DE REDUÇÃO DA POBREZA

Quanto aos riscos associados à implementação da estratégia, o documento cita vários, entre os quais os climáticos. Mas o economista Gift Assinalo, do Centro de Integridade Pública (CIP), sugere um levantamento dos erros da implementação da ENDE 2015-2035, como possíveis riscos à presente estratégia.

“É preciso recordar que a estratégia anterior, 2015-2035, não foi concretizada, por vários factores, desde a pandemia da COVID-19, as dívidas ocultas e calamidades. Tudo isso contribui para que os resultados pretendidos não fossem alcançados. Agora, a nova estratégia traz uma ambição maior que receio que seja possível de alcançar”, explicou.

Segundo Gift, é preciso perceber o momento em que o país se encontra, de endividamento e falta de credibilidade para aceder a financiamentos externos, fora os empréstimos concessionais, como alguns problemas actuais. Ademais, considera que parte significativa das metas traçadas, incluindo o ENDE, está a depositar esperança nas receitas do gás natural.

“Numa situação em que o país já começou a pagar a dívida externa, com recurso à dívida interna, equivale dizer que, quando as receitas do gás começarem em pleno, estas serão usadas para pagar o serviço da dívida antes de responder a esse nosso programa de redução de pobreza”, argumentou.

Nesta senda, o economista considera que, “se os projectos de gás não arrancarem, com esses constantes adiamentos, significa que o tempo de implementação será muito menor. Temos de ter em consideração que, por mais que o projecto de gás comece agora, os ganhos efectivos da indústria serão alcançados quando esses projectos começarem a dar lucros significativos”.

Entretanto, o economista chama atenção para a necessidade de adopção de critérios justos de alocação de recursos para as despesas nas províncias, concluindo que, por exemplo, as duas províncias mais numerosas do país, Nampula e Zambézia, recebem menos recursos e têm os níveis de pobreza mais elevados. Elas têm uma pressão maior, por isso não vão sair da pobreza. A distribuição de recursos deve ter em conta a dimensão territorial, o nível de pobreza e a dimensão da população.

“O CIP fez um estudo no ano passado, pelo qual mostrou que não há uma alocação justa nas províncias. Enquanto o Governo não acertar na política de distribuição de rendimento, os locais que recebem menos recursos não vão sair da pobreza. Temos que ver como é que o Governo aloca os recursos ao sector da educação e à saúde, para responder a um desafio específico daquela região”, disse, a finalizar.

Fora a matriz da pobreza, o instrumento de desenvolvimento propõe aumentar a taxa média anual de crescimento do PIB real de 4,1% para 9,2%; elevar a taxa de rendimento médio per capita de USD 605,9 aumentar para USD 3 309,3; melhorar a esperança de vida à nascença de 55,7 anos para 76 anos; reduzir a taxa de analfabetismo de 38,3% para 19,3%; aumentar o acesso à energia da rede pública de 39% para 100%; aumentar o acesso à água segura de 53,6% para 85%; aumentar o acesso ao saneamento seguro de 31,7% para 68%; melhorar a percepção do controlo da corrupção (pontos 0 a 100), de 15,9 pontos para 42 pontos; aumentar o Investimento Directo Estrangeiro (IDE), em percentagem do PIB, de 10,7% para 45,9%; melhorar a capacidade de previsão e a resposta aos eventos extremos, como cheias e secas, de cinco para dois dias; aumentar o Índice de Desempenho Ambiental, (pontos de 0 a 100), de 31,7 pontos para 59,9 pontos.

As referidas metas poderão ser operacionalizadas por cinco pilares, nomeadamente, a transformação estrutural da economia; a transformação social e demográfica; infra-estruturas e ordenamento territorial; governação; e ambiente e economia circular.

Fonte:O País

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