Foi uma salvação ‘in extremis’ de Zuma, mas no geral parece terem ganho todos. A oposição e o partido do governo, ambos celebraram os resultados.
Para a Aliança Democrática (DA), principal força da oposição sul-africana, tirar mais de 20 votos do Congresso Nacional Africano – 37 se juntarmos as abstenções – foi uma grande vitória. Não é só isso. O dia foi da oposição: colocou as pessoas nas ruas; fez uma grande batalha na Assembleia; criou o espectáculo; e quase ganhou.
Para o Congresso Nacional Africano (ANC, no poder), manter 198 deputados na linha do partido num ambiente em que está profundamente dividido e plenamente ciente do dano que Zuma está a fazer à sua imagem – e diante de uma enorme pressão pública – também foi uma vitória.
Além disso, perder a votação teria sido devastador: submerso no caos a pressão para formar um novo governo seria muito enorme. É uma consequência que muitos – incluindo alguns que queriam a partida de Zuma – descobriram que era terrível de contemplar.
É claro que cresce no ANC a apetência de afastar Zuma. Mas o partido quer que ele seja removido nos seus próprios termos e à sua maneira, com a esperança de que ele possa controlar o processo de sucessão que se segue. Era isso que, na sessão de terça-feira, 8 de Agosto, muitos dos representantes do ANC diziam nas entrelinhas.
A chefe adjunta da bancada parlamentar do ANC, Doris Dlakude, colocou, durante o debate, o assunto nestes termos: “Estamos cientes de todas as questões levantadas, reconhecemos os nossos erros e corrigi-los-emos, aspiramos fazer o certo”.
É amplamente aceite no ANC que depois de próximo Dezembro tudo mude, incluindo o presidente e o executivo. Nas discussões do partido, é muitas vezes feito um paralelismo com o afastamento de Thabo Mbeki, em 2008, argumentando-se que este poderia ser retirado porque não era mais presidente do partido, pelo que o tempo de Zuma sair ainda não chegou. O que ANC precisa agora é garantir manter-se firme até Dezembro e minorar os impactos do escândalo de ‘GuptaLeaks’ e a tempestade política até essa altura.
O Partido dos Combatentes para a Liberdade Económica tem, no entanto, ainda uma carta a jogar. O EFF lançou, há vários meses, um pedido de ‘impeachment’ de Zuma no Tribunal Constitucional. O ‘impeachment’ exige o voto de dois terços das duas casas do Parlamento – a Assembleia Nacional e o Senado -, cujo objectivo não é tanto afastá-lo do poder, mas forçar um inquérito parlamentar, ante o qual Zuma terá que se apresentar e responder a perguntas. Os tempos ruins para o ANC podem não ter acabado ainda.
OUTROS VENCEDORES
Além dos dois principais vencedores, os sul-africanos e a Constituição também ganharam muito na terça-feira. Foi através de um processo constitucional que a moção foi trazida e foi através de um julgamento do Tribunal Constitucional que a votação secreta foi realizada. Foi também através da lealdade à Constituição que os deputados do ANC derrubaram as fileiras e votaram fiéis ao seu juramento à nação e não ao seu partido político.
África do Sul é uma democracia jovem e nada torna isso mais claro do que a educação que constantemente recebe sobre o que significa ser uma democracia constitucional e as implicações que tem sobre como cada cidadão se deve comportar.
Primeiro, o julgamento do ‘caso Nkandla’ educou o país sobre o papel do presidente; Agora se teve a decisão da votação secreta, também educando a nação sobre as responsabilidades dos deputados.
Enquanto 198 deputados do ANC escolheram não aprender essa lição, mais de 20 seus correligionários assumiram no coração os valores da Constituição. Isso é mais do que eles alguma vez fizeram.
Embora a quebra da disciplina seja difícil e arriscada e, em geral, motivo de recriminações na maioria dos partidos políticos do mundo, no ANC é particularmente difícil.
MUDANÇA PRECISA-SE
Enquanto um partido liberal, por exemplo, vê, pelo menos em teoria, o indivíduo como a unidade mais importante da sociedade, num movimento de libertação como o ANC o colectivo é o fundamental e a disciplina revolucionária supera tudo.
No dia 8 de Agosto, após a votação, visivelmente aliviado, Jackson Mthembu, chefe da bancada parlamentar do ANC, disse: “Os membros do ANC no Parlamento não venderam a nossa revolução democrática nacional. Defendemos o voto do nosso povo”.
Isso é mais do que apenas uma retórica. É uma expressão dos princípios filosóficos fundamentais que estão subjacentes aos objectivos e políticas do ANC.
Porque sempre coloca a ‘revolução democrática nacional’ no centro, ao ANC tem sido relutante, ou talvez ache impossível, colocar a Constituição no cerne da democracia e assim continua. É um pequeno passo daqui até a fervorosa crença nos argumentos de ‘bicho-papão’ invocados pelo ANC na Assembleia durante a votação. A verdadeira agenda aqui, disse Dlakude na altura, é “colapsar o governo e lançar as sementes do caos na sociedade para finalmente conquistar o poder”.
O ministro das Artes e Cultura, Nathi Mthethwa, culpou “a agenda imperialista para a mudança de regime”, que queria “vencer pela porta dos fundos o que perdeu nas urnas”, nas eleições gerais de 2014.
É essa batalha filosófica que aqueles que pertencem ao ANC e que dizem estar no lado do bem, terão de vencer se o partido quer ser salvo e seguir um novo rumo. Assim como ganhar o voto na moção de censura na passada terça-feira era uma fasquia muito alta para a oposição, também o é para o ANC mudar a sua filosofia.
Pode ver o texto original no http://www.sowetanlive.co.za/news/2017/08/09/analysis-south-africans-and-the-constitution-also-winners-after-zumavote)
Fonte:http://www.jornalnoticias.co.mz/index.php/internacional/70374-leituras-mocao-de-censura-a-zuma-sul-africanos-e-a-constituicao-tambem-ganharam.html