O Ungulani é o Ualalapi!
Nenhum calendário me diz quando cruzei os caminhos do Chico, porém nossos reencontros servem para estabelecer pontes. Pontes de análises, de concórdia e de discórdia, de comunhão e de construção de futuros. Eventualmente viemos da mesma família de ventres e locais distanciados, só a vida e o tempo nos uniram. O percurso nunca gerou uma amizade, mas a mão dada que colhe frutos de uma árvore que nunca nasceu. Existe algo de comum que nos une. O abraço que simboliza o amor pelas crianças, pelos jovens, pelas causas sociais e, sobretudo, o amor por este país, criando a simbiose perfeita entre a cidadania e a solidariedade. Muito recentemente, trilhámos, juntos, o caminho de volta para cidade de Lichinga, exercendo rituais distintos, ainda assim complementares. Lichinga recebeu-nos com a mesma emoção. O frio cinzento que, misturado à poeira castanha teimam em ser o cartão-de-visita, o símbolo da hospitalidade. No final, o horizonte nos trazia de volta um exercício semelhante, desafiar as mentes juvenis, regar as esperanças de novos leitores, adubar vontades. Lichinga sempre foi a terra do Chico. Também minha. Esta cidade que nos fascina e preenche recordações vivas de um período azul, revolucionário, que não desaparece. Lichinga, a melhor cidade do Planeta. Para este lugar foram transportadas as placentas de quem nasceu distante, porém aqui se desterrou para estimular a moçambicanidade, formar e educar outras gerações. O Chico chegou como Chico e partiu como Ungulani. Nenhum se fez Alguém e como filho saiu de Niassa e levou as memórias e histórias positivas daquela província e do seu povo que, incansavelmente, lutam para não serem nem os últimos e nem os mais esquecidos nos indicadores sociais e de desenvolvimento. Juntos partilhamos cumplicidades. Muitas. Estar juntos em Lichinga permitiu-nos viver “Entre as Memórias Silenciadas” e recordar sonhos, amores, patriotismo e, principalmente, voltar a perceber que “o Sonho comanda a vida”, como escreveu um poeta de quem os dois gostamos. O Ungulani já mereceu diferentes homenagens, desde o reconhecimento da comunidade dos países de língua portuguesa, até o prémio nacional de literatura e ao prestigiado prémio José Craveirinha. Porém, nenhum destes prémios seria tão significante e importante como é o prémio de ter sido adoptado pela província do Niassa e ter esta cidade como a sua cidade natal. Ungulani Ba Ka Khosa é, também, um cidadão de África, um cidadão do mundo. Ele faz parte dos 100 melhores autores do Continente Africano do Século XX, Ualalapi o consagrou. Fazer parte dos 100 melhores, de um universo de 1 Bilhão, 216 milhões de pessoas, equivale a ter o mundo a seus pés. Niassa ajudou Ungulani a ser homem, pensador, crítico, e acima de tudo humanista. Mas o Ungulani escreveu também outros livros com títulos bonitos, como Orgia dos Loucos, Os Sobreviventes da Noite, Choriro e mais. O escritor Ungulani tem servido de referência para vários intelectuais, estudantes, professores, operários, camponeses. Por conseguinte, ele se transformou numa referência obrigatória para Moçambique, para África e para o Mundo. As suas Cartas de Inhaminga revelam, claramente, os 30 anos de carreira e como as diferentes histórias ainda mexem com ele, seu consciente e com todos nós. O autor mostra preocupações, sonhos, vontades, as suas principais referências literárias, a quem chama a sua “família literária”, composta por uma longa lista de nomes de escritores que lhe deram o norte. Ao percorrer estas cartas, ocorrem-me esses outros nomes da arte da palavra como Luís Bernardo Honwana, Eduardo White, Paulina Chiziane, Marcelo Panguana, Adelino Timóteo, Lília Momplé e vejo como o Ungulani influencia e se deixa influenciar. A mim, em particular, tem-me dado o sul, neste exercício de passagem da oralidade para escrita. O Ungulani tem a liberdade de dizer o que quer, quando quer, como quer. E faz sempre com arte e mestria. A crítica mais áspera e severa chega aos nossos ouvidos, como canção e poesia. Porque decidimos que os homens e as obras devem ser celebrados ainda vivos, a Universidade Pedagógica, unindo-se à família dos Escritores Moçambicanos, à família do Ungulani e, sobretudo, à Família Moçambicana, comemora a passagem dos sessenta anos de vida deste Homem e, principalmente, deste grande talento que se revelou na Bacia do rio Rovuma e do Lago Niassa e se catapultou até aos estuários do rio Maputo, inspirando aqueles que aspiram tornar-se escritores e desenhadores de palavras. Tudo isto porque o Ungulani é, para nós, o Ualalpi da Literatura Moçambicana.
Fonte:http://opais.sapo.mz//index.php/cultura/82-cultura/45906-professor-que-queria-ser-escritor-de-lichinga-para-a-globalidade.html